Sobre ser mulher negra e imigrante na Europa e não ter medo de morrer todo dia

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Eu demorei muito a me acostumar com o fato de andar por Portugal sem precisar ficar olhando pra trás (pra ver se vinha um homem). Sem precisar mudar de calçada, fugir dos becos, das esquinas, dos lugares onde tem mata. Nem de trilha eu fujo mais, gente. Sequer preciso rezar enquanto ando na rua sozinha. Cês não têm noção!

Porque eu, no Brasil, vivia com medo. De ser agredida, violada, abusada, estuprada, morta. Todo dia. Só me sentia mais segura quando estava acompanhada de algum (ex)namorado ou amigo homem. Não porque um homem me respeitasse se eu fosse comprometida. Mas porque eles respeitavam quem estivesse me acompanhando (outro homem). Aquela história de que um poder só respeita outro poder.

Eu acompanho diariamente histórias de mulheres que são violentadas e mortas no Brasil. Hoje, em especial, alguns números me chamaram a atenção nos noticiários: 26.709 mulheres foram estupradas no 1° semestre deste ano; 666 mulheres foram vítimas de feminicídio nos primeiros seis meses do ano (quatro POR DIA); 30% das brasileiras já foram ameaçadas de morte por um parceiro; 1 em cada 6 delas, sofreu tentativa de feminicídio; mulheres negras, são as principais vítimas de homicídio.

Mano! O tanto que eu sou privilegiada, pelamor! Eu ando na rua sem medo. Na quebrada. Na noite. Em qualquer lugar. Nunca me senti minimamente ameaçada aqui. Eu reclamo dos homi do tinder, eu reclamo da objetificação do corpo da mulher brasileira, reclamo da xenofobia, reclamo de tudo que eu discordo ou que me faz mal. Mas eu não posso reclamar de viver com medo de ser estuprada ou morta.

Tô dizendo que não existem casos aqui? Não tô, né? Aliás, até o dia 15 de novembro, 23 mulheres foram assassinadas aqui. 13 delas, por parceiros ou ex-parceiros. Além disso, 6% das mulheres portuguesas já sofreram abuso. Então o problema existe. Aqui. Aí. Mas de 6 pra 30%, porra!

Eu só posso agradecer por não viver um ciclo de medo e usar desse espaço pra denunciar o extermínio da mulher brasileira (que está acontecendo bem embaixo do nosso nariz, no nosso país).

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