“Racismo”, disse o G1

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Foto:Carl de Souza/AFP

Sexta feira, 4 de fevereiro.

Moïse foi assassinado há 10 dias, e outro homem negro foi assassinado por racismo.

O G1 colocou “racismo” entre aspas.

Mas é fácil resolver isso.

Se fosse um loiro de olhos verdes, ele não estaria morto agora.

Durval Filho foi morto por Aurélio Alves Bezerra, sargento da Marinha. O crime de Durval: chegar em casa.

O crime de Durval foi chegar em casa.

Um homem negro não pode sair de casa, não pode voltar pra casa. Uma pessoa negra não pode entrar numa loja, sair de uma loja. Brancos não sabem o que é isso. Brancos entram e saem de todos os lugares, espaços, debates, sem perguntar se podem. Pessoas negras passam mais da metade do tempo do seu dia calculando a rota mais segura pra andar, e isso cansa, adoece, aumenta o medo e tira a vontade de viver.

Aurélio, o matador, está preso. Tem de pagar fiança de 120 mil, e mentiu, alegando que Durval se aproximou rápido demais do carro dele, mexendo na mochila. As câmeras filmaram tudo.

Depois de matar, viu o corpo e saiu. Não prestou socorro ao vizinho. Não sei o que esses homens pensam. Quando mata, o corpo fica ali. Não nasce uma árvore. O corpo não evapora. Você cometeu um crime. E atirou, porque o homem era negro.

O Brasil vive sob a lógica escravista.

DUZENTOS ANOS DEPOIS de independentes de Portugal, nós ainda reproduzimos o racismo e o pensamento colonial que os portugueses trouxeram. Negros não podem:

Ser consumidores numa loja da Zara.

Ser trabalhadores que recebem salário em dia.

Ser trabalhadores que cobram o salário e voltam vivos.

Ser moradores chegando em suas casas.

Serem grávidas visitando a vó no Lins.

O Brasil ideal para uma parte da sociedade seria um país com negros presos dentro de um campo de concentração.

Campo cujo nome seria: Senzala.

À parte isso, não tenho todos os sonhos do mundo.

O Rio se tornou uma vala.

Vala de lixo, vala de pobreza, vala de abandono, vala de água sua, vala de corpos.

Nas praias, 12 linchamentos em 4 semanas. Linchamentos com a participação de mais de 100 pessoas. Operações policiais que continuam matando jovens e crianças, e aterrorizando moradores em Cordovil, Alemão, Pavuna.

Um povo violento, uma polícia violenta. Um ódio ao negro.

Eu tenho duas cachorras, que adotamos, da rua.

Uma se chama Madureira, e outra, Tijuca.

Minha companheira me disse: nunca bata no cachorro. Eu perguntei o porquê. E ela respondeu:

Por que bater faz ele se tornar resistente a violência. E no fim da vida, ele vai se tornar violento. E vai reagir atacando você. O cachorro absorve anos de violência contra ele, e então, um dia, reage.

O Rio absorveu anos de violência da Polícia Militar e Civil. Anos de violência estrutural e racista da zona sul, da classe média branca, dos homens brancos, das mulheres brancas, dos partidos de esquerda e de direita, brancos, das empresas, dos bancos com catraca na entrada que só funciona com preto, anos, anos de UPPs, de tiro, sangue,

um dia,

o cachorro vai reagir.

Vai rosnar. Vai mostrar os dentes.

E vai morder de volta.

Esse animal está preso numa corrente. Se ele se soltar, não vai sobrar nada.

Mas vocês só ensinaram violência a ele. Ele vai devolver violência.

Não houve educação, comida, trabalho. Se plantamos abandono, racismo e violência, o que vai voltar é violência.

O Rio já não é mais Brasil. É um território independente de milícia e crime.

Ou talvez o Rio seja o Brasil.

O Brasil que o Brasil vai se tornar, em breve.

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