Quais são os corpos dignos de afeto?

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Amanhã temos uma data muito simbólica no nosso calendário: o dia dos namorados. Digo muito simbólica, porque se pararmos para refletir quais são os corpos dignos de receberem amor, essa lista se resume bastante a pessoas brancas, magras, heterossexuais, cisgêneras e as quais não portam qualquer tipo de deficiência.

As pessoas que não foram incluídas aos moldes do amor romântico, em muitos casos passam a vida procurando por ele e, às vezes, se submetendo a situações degradantes à sua própria essência. Viver uma paixãozinha de escola, que seja recíproca, é um puta privilégio; pois, enquanto isso, pessoas pretas ou que portam os fenótipos mais negróides, as gordas ou LGBTI+, sempre serão as mais rechaçadas entre colegas de classe e escola.

Não precisamos ir muito longe, basta relembrarmos os filmes e séries de romance clichê: a maioria, senão todos, serão sobre pessoas brancas se relacionando, enquanto aquelas fora do padrão são secundárias. Quando você é uma pessoa LGBTI+ no ambiente escolar [aquele espaço é uma amostra do que estará por vir na sociedade], você tem sua identidade completamente apagada desse rolê. Nós somos o erro, não deveríamos estar ali. O afeto é negado até de amizades [mesmo que a pessoa ainda não reconheça enquanto membro da comunidade] para elas não serem também o alvo de violência.

Só hoje, a sociedade é capaz de abarcar outras formas de amor em suas representações de livros, séries, filmes e música, de forma mais amplificada – por mais que em alguns momentos sejam de forma bem rasa, ainda sim é um avanço. Me refiro assim, porque apesar da representatividade estar ali, ainda assimhá um padrão a ser seguido pelas personagens envolvidas, e também por trás das câmeras.

Sempre que o assunto é amor, eu fico me perguntando quantas vezes será que eu já fui amada, digo: amada sendo quem sou. Quantas vezes você já foi amada sendo quem tu é; você sabe? O afeto real quase nunca chega a corpos que são dissidentes da norma padrão. Pensar em amor travesti é quase uma sátira das violências às quais estamos submetidas. A comunidade trans tem outras demandas: a luta é diária para sobreviver e existir. Por isso, pouco se fala em amar.

Temos que ter ciência que o amor não é algo democrático e acessível a todos os corpos. Por muito tempo, eu não me senti amada sendo quem sou: uma travesti não-binária, preta e bissexual. Essa experiência não é uma eventual circunstância; muitas pessoas trans que conheço já passaram ou ainda passam por essa situação, principalmente o amor familiar, pois não existe amor se uma pessoa odeia uma parte da sua identidade – porque se ela não é capaz de te amar de modo completo, ela não ama você e sim aquilo que projetou que seria.

O amor é algo tão bonito, intenso, colossal, assustador, e, para além de todas as decolonialidades do amor romântico, para bell hooks, o amor é uma ação. Por fim, cabe pensarmos para onde e para quem estamos direcionando nossos afetos, repense. Provocar o amor e senti-lo é um presente do universo, mas para isso é preciso amar sem restrições a corpos e para além do imaginário social.

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