Primeira raiva em Portugal

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Minha primeira raiva em Portugal era uma só: Fazer os portugueses devolverem nosso ouro.

Obstáculo: achar portugueses que tenham ouro. Não tem. Nada. Nem a aliança. Nem um brinco. Nada.

Porra, mano, os cara tão fudido mermo. Tenho pena não, mas olha. Puta que pariu. Tão duro.

Descobri depois que, assim como em toda sociedade há uma elite que se dá muito bem e um povo que se lasca, o ouro roubado no Brasil e em outros países por onde portugueses passaram, foi pra família real, pra grandes negociantes, e por fim, pra Inglaterra.

A Bete Dois não tem aquela coroa porque é uma véia bondosa. Os pais dela meteram a jéba no mundo, pra garantir a vida de vadiagem oficial, chamada de realeza.

Português é, via de regra, um sujeito de classe média, mas bem média mesmo. Faz contas, boa parte do mês. O menor salário da Europa é aqui. Eu devo ter um carma desgraçado, porque, tanto país pra ir, eu acabei vindo pra cá. Vocês não sabem, mas Portugal não foi bem uma escolha. Foi uma alternativa. Ou Portugal, ou o Cemitério de Inhaúma. Enfim.

O português tem o kit classe média:

Aluguel caro, conta de luz, conta de gás, conta de água.

O aluguel é caro. Quem não consegue dar entrada numa casa, financiado, ganha um salário médio de 800 euros, e as contas todas, incluindo comida, dão mais que isso. Tem gente que mora em apartamento de 1 quarto e paga 600 euros, no mínimo. Ou de 2 quartos, pagando até mil. São os famosos T1, T2.

Mas o português médio não tem grandes planos de futuro. Ganha aquele dinheirinho, compra um pão, um azeite, espera a morte chegar. Fazer o quê. A economia é marcha lenta.

Coisa que mais dói no bolso aqui é sabão em pó e amaciante. Porra, como é caro. Até porque não é em pó, mas líquido. No Brasil temos o OMO, pra máquina de lavar, aqui todo mundo tem uma máquina de lavar, às vezes tu aluga uma casa que já tem. Cabeça, como é cara uma garrafa de sabão de roupas.

Vocês achando que Portugal é pra comprar vinho, é vinho barato de um lado, sabão de roupas custando um rim de outro.

Ao invés de plantar azeitona, podiam plantar garrafa de Confort.

Mas a minha raiva foi, depois de perceber que os caras não tinham ouro, que eles são filhos daqueles que não se deram bem na Grande Merda Portuguesa Feita Pelo Mundo, saber que não tinha requeijão.

Aí descobri que vende requeijão em Amadora. Mas eu tenho outra bronca.

Não tem salsicha. Tem. Mas a deles, que é meio doce, macia demais. Tipo aquela de lata, sabe? Salsicha estranha, se esfarela, macia demais. Tem na Europa toda.

Salsicha Sadia, daquelas veneno brabo, tipo cigarro Derby, vermelho, não tem.

Ocorre que eu tenho saudade da salsicha da Turma da Mônica. “Levemente temperada”. Puro sódio.

Ah, não fode, tenho saudade. De jogar a salsicha na água e sai a água toda amarela, presta pra nada aquilo. Mas a salsicha tem viço. Tem solidez. Tem que comer no ódio.

Aqui não. A salsicha é pra ser comida sem ódio. Perde a graça.

E SALSICHA BRASILEIRA, aqui, é a nossa LINGUIÇA. Linguiça de churrasco, os cara chama de salsicha brasileira. Puta merda, mano.

Mas quer fechar o dia com vontade de entrar no avião e voltar pra casa?

PEDE UMA COXINHA.

Vai numa padaria, bar, café, caralho a quatro, e veja no balcão as coxinha.

Somos imperialistas, porra. Expandimos a coxinha. Coxinha já tá quase ali do lado do bacalhau.

O problema é que o português vende A COXINHA FRIA.

FRIA. A gente tem que acionar Portugal no Tribunal de Haia. INCLUSIVE, por isso. Coxinha fria, Portugal? Já não estão com a lista de culpas transbordando?

Eu fui comer uma coxinha, naquele frio de inverno em dezembro de 2018, dias depois de chegar aqui. Chega caiu uma lágrima, ao ver uma coxinha. Pedi. BUNECO.

ERA O GELO. Olhei pro balconista, que estava VIVENDO A VIDA.

Ali eu cheguei em Portugal. Não foi no dia da Imigração. Foi ali.

Coxinha é quente. Toma cuidado que a mão de Deus vai pesar.

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