Pra quem tá solteire no dia dos namorados

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Eu estou solteira há mais ou menos uns cinco anos, e arrisco dizer que considerando a solidão em que eu me encontrava no meu último relacionamento, que foi aberto e abusivo (sim, relacionamento abertos também podem dar ruim), talvez esse tempo seja até maior.
Hoje me considero feliz solteira, porque cheguei num nível muito maduro, talvez, de entender as relações, a ideia de amor e de relacionamento, e o que eu quero. Mas óbvio, também, que há fatores externos que também não posso controlar na nossa tão conhecida e famigerada Sociedade dos Padrões, e que acabaram também me colocando um pouco nesse lugar.

Mas deixa eu contar um negócio aqui antes:
Eu sempre fui uma pessoa fora do padrão, sempre fui um corpo fora do padrão, sempre fui uma pessoa diferente de geral, mas, em muitos momentos da minha vida, eu ainda tentava encolher pra caber em certas caixinhas, com a única e plena finalidade de me sentir amada. Porque eu mesma, me amava muito pouco.
Então, naquela época, que durou toda a minha pré-adolescência, adolescência e início da fase adulta, o dia dos namorados era sempre um dia muito deprimente pra mim. E eu realmente tinha essa ideia de que ser solteira era ser largada na vida, esquecida, indesejada. Eu fui criada igual a muita gente, para ter como objetivo de vida amar e ser amada. Encontrar um homi, casar, ter filhos e “constituir família”. Ô coisa triste. RISOS


Ser solteira, na minha cabeça era o que ninguém queria, eram pessoas dignas de pena, que ficavam pra titia, e que ninguém achou que valia a pena mesmo ter por perto, muito menos para ter um relacionamento.
E assim eu cresci me amando muito pouco, esperando um dia me tornar mais aceitável pros outros, me submetendo a uma série de violências contra mim mesma no amor e nos relacionamentos, e até nas relações de amizade só pra minimamente me sentir amada. Porque tinham me dito a vida toda que me amar era difícil, quase impossível.


Então cês podem imaginar o que que o dia dos namorados significava pra mim. Tinha inclusive uma época da minha adolescência em que eu tirava esse dia todinho pra alugar e assistir comédias românticas e chorar olhando praquela emulação e romantização daquilo que eu achava que queria ou que devia ter e nem fazia ideia do que era: amor e relacionamento.
E daí que eu vivi por grande parte dessa minha vida acreditando que essa era a minha única forma de ser feliz, achando que sem alguém ao meu lado eu sempre me sentiria incompleta, sozinha e largada. E sinto muito ao perceber que ainda há muita gente que pense assim, vide qualquer almoço familiar em que ainda me perguntam, mesmo que disfarçadamente, “onde estão os namoradinhos”, vide pessoas que se sentem incompletas ou que têm baixa autoestima por não estarem em relacionamentos y otras cositas más.


Eu entendi, por muito tempo, que o que tinham me mostrado de amor e relacionamento tava completamente errado e praticamente tudo que me disseram que era “por amor” era abusivo. Então, entendam quando eu digo que tive que reaprender o que era amor. Eu tive que me realfabetizar nesse sentimento e só pude fazer isso me voltando pra dentro, pra mim mesma, tentando descobrir primeiro o que era amar a mim mesma. Foi só me amando que eu pude entender o que era o amor, como era amar sem possuir, invadir ou aprisionar. Foi uma das melhores coisas que eu descobri na vida.
É muito engraçado porque quanto mais eu me amo, mais eu descubro lindas e leves formas de amar, e cada vez mais as pessoas acham que sou contra relacionamentos ou que não estou apta ou sou digna de afetos.


E sabe que que eu descobri? Que me amar é coisa facílima. Eu sou amável pra caramba, era tudo mentira o que disseram! E aqui estou eu, cada vez mais me tornando exatamente quem eu quero ser e cada vez menos quem querem que eu seja. E eu tenho mó orgulho de mim, sabe? De ter chegado aqui, nesse ponto. Eu fui do querer morrer por ter meu corpo e por me odiar, pro me amar incondicionalmente. E ainda estou indo, esse caminho do amor-próprio que é jornada contínua, em que a gente não alcança nenhum lugar alto e fixo: a gente só encontra esse lugar leve e muitas vezes frágil, e que precisa ser mantido todos os dias.
E é me amando assim que eu entendo o que eu quero, o que eu mereço e com quem e como quero estar.


Agora, o outro lado disso, que às vezes parece até meio triste, é que esse é um caminho que realmente vai se tornando cada vez mais solitário. Muito pouca gente segura a marimba de amar alguém que se ama de verdade. Parece óbvio, mas a realidade é que a maioria das pessoas mal sabe o que é se amar, alguns confundem até com arrogância, narcisismo. E as pessoas entendem o amor próprio como algo a ser construído a partir do amor do outro. Que loucura, cara.
OLHA FRANCAMENTE, VIU


Aí acontece que, nesse imenso deserto de relações vazias em que estamos inseridos, em que as pessoas só se preocupam com si mesmas e com a degustação dos próprios prazeres falocêntricos, principalmente quando falamos de homens cis hetero, eu, como mulher gorda, fiquei sempre meio escondida por aí. Assim como na aula de educação física, quase ninguém me “escolhia”.
Porque tem isso, né? A gente precisa ser escolhida, a gente vive em função de ir num bar, numa festa, num evento e ser avaliada e escolhida de longe por um homem. Que horror, gente. Cês não imaginam quanto tempo eu vivi acreditando nisso. E eu me sentia melhor cada vez que me escolhiam, mesmo que me escolhessem sempre por último e sempre depois que todos tinham ido embora. Sempre nos chats online, nunca na frente dos outros. Sempre com encontros marcados em motéis, em apartamentos, nunca em bares, com a galera, muito menos jantando num restaurante. E é aí nesse momento que fica até fácil a gente acreditar que a gente merece esse tão pouco que nos oferecem. Que deve ter mesmo algum problema com a gente, pra ninguém querer pegar na nossa mão na rua. Pra ninguém beijar a gente em público. Pra todo mundo parar de ficar com a gente pra começar a namorar outra pessoa, sempre. A gente nunca é digna de afeto, mas serve pra amante.
Me dói lembrar o quanto eu acreditei nisso, o quanto eu me odiei por isso, por tanto tempo. O quão pouco eu aceitei por ter caído nessa balela.


Meu bem, o problema nunca fui eu. O problema sempre foram vocês que quiseram me reduzir a mero objeto de entretenimento do prazer alheio e nada mais, e eu sinto até um pouco de pena por vocês não poderem me ter na vida de vocês hoje. Mas vocês realmente não me merecem. Vocês nunca me amaram, sequer se preocuparam com quem eu era ou com meu prazer. E eu não mereço isso.
E o que eu mereço hoje, eu sei muito bem. E é muita coisa MERMÃ


Então, você que tá solteira e lendo esse texto agora em pleno dia dos namorados, se sentindo incompleta, difícil de ser amada e merecedora desse tão pouco de migalha que os outros te dão: esquece isso. APRENDE QUE VOCÊ PRECISA SE AMAR até sentir pena de quem não te aproveita
RISOS
Você precisa se amar. O movimento (clichê pra caramba, eu sei) é de fora pra dentro. Quem não assume, não demonstra, não dá afeto pra gente nem publicamente, não merece estar com a gente. Não merece estar nessa festa que é o nosso corpo, o nosso prazer, o nosso ser, a nossa alma. Sai dessa, tira o dia pra você.
Vai te curtir, te namorar, pega na tua mão e te leva pra passear. E vai, sorrindo, na direção do se amar, porque incompleta, você nunca foi. Vamos juntes.

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