O ingênuo português

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Eu observo que, diante de críticas de africanos e brasileiros, os portugueses perdem a eloquência.

Perdem feio. A elegância, a eloquência, a razão e mesmo o senso de ridículo.

Africanos e brasileiros são os grupos que mais criticam os portugueses no cenário atual. Isto tem um porquê histórico. Estes grupos, no seu processo de emancipação depois de profundas marcas coloniais, respiram livres.

São continentes e nações FUNDADAS NA ESCRAVIDÃO.
Portugal não foi fundado na escravidão.

Foi fundado nas guerras, nas conquistas, ou no Manoel, que ficou sentado numa pedra, cuidando de 3 ovelhas, e venceu calado. Quando viu, tinha um país.

O Brasil não.

Angola, Moçambique, outros países africanos, não.

Estas nações tem um ponto de começo da sua história na modernidade, e este ponto divide o que elas eram antes, e depois dos portugueses.

Indígenas e africanos eram povos resolvidos em seus continentes. Se felizes, não saberemos. Mas com certeza, LIVRES. Depois da chegada dos portugueses, toda a dor que se pode causar a uma pessoa, na maior operação comercial, marítima e militar para o tráfico e a exploração de pessoas foi feita.

Os africanos, dos quais descende majoritariamente a população brasileira (60%) e não dos portugueses, veio remando nos navios negreiros, dos portugueses. Nem a “passagem” foi paga. Foram feitos prisioneiros, escravos, e tiveram que remar o Atlântico, doentes, cansados, para servir o branco. Muitos morreram, e foram jogados ao mar.

Os portugueses foram tão cruéis, que Fernão de Magalhães, conquistador (Assaltante, estuprador e escravista) virou símbolo de medo entre crianças em Goa, na Índia. Quando uma criança se recusa a obedecer a mãe, esta lhe diz: “Se não me obedeces, virá Magalhães pra atormentar a noite”.

Não surta. Pesquisa na internet. Busca um livro. Isso é resutante da História. E de tanta coisa ruim que portugueses fizeram lá.

Aliás,

no mundo.

Não há um país por onde portugueses passaram que, ao olhar, digamos: vejam que país desenvolvido, que herança portuguesa potente, invejável. Não.

Desgraças, sementes de racismo, classismo, ódio a mulheres, estupro, corrupção. Tudo nascido no ventre da ambição portuguesa. E ambição preguiçosa, porque não trabalhava. Ambição covarde, que fugiu da Europa e fez sede de reino no Rio de Janeiro, com medo do francês.

A História do Brasil é fundada em sangue, escravidão e morte.

O Brasil está do jeito que está, porque não conseguiu se emancipar e se limpar de tudo que nele foi plantado.

“Terra em que, se plantando, tudo dá”.

E deu.

Plantaram colonialismo, escravismo, racismo, catolicismo, preguiça, cinismo, eis que nasceu o Brasil.

Nós, os brasileiros, somos a prova viva no passado de Portugal.

Eu, e você.

Eu tenho parte de meu sangue, nigeriano, andino, ou nativo sul-americano, e português. Pergunte às minhas antepassadas negras e indígenas COMO que o sangue português foi inserido nelas.

Estupro.

E assim, com todas as mulheres negras e indígenas que geraram os mestiços deste país. Nenhuma delas queria o sangue, o esperma, o sêmen português. O português veio, com seu cheiro, com sua violação, e obrigou, diante das lágrimas das inocentes, que elas fossem usadas para sua luxúria criminosa.

O Brasil nasce do estupro.

Se há sangue português em mim, é por isso. Um sangue intruso, um sangue com gosto de choro.

Querem poesia?

Ouçam Chico Buarque. Aplaudam Caetano.

Eles, pelo menos, ganham bastantes dinheiros acariciando Portugal. Aliás, os portugueses não estão acostumados a ouvir críticas de brasileiros tão próximos deles, porque os brasileiros que se destacam, quando chegam na Europa, precisam do dinheiro euro que há aqui. Amigos, brasileiro não te critica porque tem contigo uma relação comercial, não se confunda.

Além do mais, portugueses não estão prontos pra favela. A favela, Portugal, é do tamanho de um país. Estamos falando de 23 milhões de pessoas. E favela não é termo pejorativo pra nós. É nossa identidade, nosso orgulho, e eu, quando falo, e venho de lá, corto com uma espada, até os nervos. Não temos um pacto de paz entre nós.

Se não tenho um pacto de paz com o asfalto do meu país, com os brancos privilegiados da minha terra, porquê teria com vocês?

O meu país é um desenrolar de todas as desigualdades e violências que vocês cometeram. E eu sou o filho de Portugal. O filho que ele esconde. Que ele humilha. O estuprado. O mestiço, favelado. E como eu, um país.

Mas agora eu falo. Entro no meio do jantar dos democratas, dos filhos e filhas donzelas de Abril de 74, que acreditam que pagaram todos os seus pecados, e derrubo a mesa.

E por isso vocês me odeiam.

Porque vocês acham que pagaram a dívida.

Mas vocês não perguntaram nada aos credores.

Há uma forma de reconciliação?

Olha, eu acredito que sim.

Mas pedir desculpas é para os grandes.

Até a França pediu desculpas para a Argélia.

E Brasil, Índia e outros países esperam que Portugal se posicione publicamente, oficialmente, pedindo desculpas por todo passado de morte e violência pelo mundo.

Se vocês fizessem isto, eu tenho certeza, muito do que eu escrevo e que muitos outros escrevem, cairia por terra no mesmo dia.

O Vaticano pediu desculpas aos protestantes. Os alemães aos judeus. Nada disso mudou o passado. Mas mudou a perspectiva. A forma como nos comunicamos.

Podemos ou não aceitar as desculpas. Mas isso diz respeito a quem as recebe, não a quem pede. A quem pede, cumpre pedir.

Há um grande escritor, que lembrou ao presidente de Portugal, em São Paulo, que era hora de emitir um pedido de desculpas. Outro, que disse que brasileiros tem vergonha do seu sangue português.

E ao invés de pedirem desculpas, vocês continuam nos chamando de doentes, vadios, putas, ladrões, sujos. Desprezam nossas lutas, mas amam nosso funk. Odeiam nossas opiniões, mas amam nossas praias na Bahia. Odeiam nosso prazer, mas amam a música que ouvimos pra transar.

Vocês estão em estado terminal, Portugal.

Deitados já na sepultura. Sentindo o cheiro de podre deste corpo cheio de pecados. Com os bichos já andando no corpo, para comerem a pele.

A única forma de saírem disto, e ressuscitarem pra uma vida de paz, é pedindo desculpas. É reparando. É dando a brasileiros, africanos e outros ex-colonizados, retribuições cidadãs, direitos, tratamentos dignos.

Jeito tem.

Não sou eu o algoz de Portugal.

Eu sou apenas um favelado que fugiu da morte. Mas vejo a morte todos os dias. Inclusive aqui, nesta terra.

O Brasil ainda não se emancipou.

Temos 500 anos, e destes, 300 anos foram sob domínio de Portugal. Temos apenas, neste ano de 2022, 200 anos sozinhos. E Angola, menos ainda. 46 anos.

Assumam a parte que compete a vocês.

Não haverá “nação-irmã”, enquanto irmãos não se falam.

Até lá, não sejam ingênuos.

Não esperem de mim qualquer vergonha ou remorso no que eu falo. Eu, e meu povo, nunca escravizou vocês. Tenham vergonha na cara. Estão na Europa, são privilegiadíssimos, e querem ser as vítimas. Eu não tenho remorsos.

Aos daqui, que me amam, devolvo amor. Um a um.

Mas ao país, a este conceito que inclusive faz mal aos próprios portugueses, de mim, só a luta.

Peço desculpas.

Desculpa lá.

Né?

Mas enquanto não levantarem desse conforto, nada muda. Nem uma palavra.

E é só o começo.

A África virá em peso, o continente inteiro, até o final do século, cobrar as dívidas.

Anote.

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