Mãe solo só pode ser mãe e mais nada

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Viralizou nas redes o caso de uma mãe solo que foi com o filho à comemoração de aniversário de uma amiga num barzinho. Era à tarde, o lugar era aberto, descolado, #forabozo, aceita pet, bike, tem a diversidade como princípio, etc. Pra uma mãe que tem um menino de 5 anos, a oportunidade de ouro de poder fazer qualquer coisa que não signifique passar os dias socada dentro de casa só sendo mãe.

Mas não foi.

A fotógrafa Marcelle Cerutti, de 34 anos, chegou ao Bar Miúda, em Santa Cecília, São Paulo às 17h, com o filho trazendo uns brinquedos, livros de colorir e roupas mais quentes, pra o caso de fazer frio, e foi barrada logo à porta ao ser informada que “a gente não aceita crianças aqui”. Ela, indignada, mas sem reação, pediu para ir ao menos cumprimentar a amiga aniversariante. Foi proibida outra vez e teve de esperar pela moça na calçada. Foi embora aos prantos, e os motivos, eu entendo-os todos. TODOS!

Num desabafo nas redes sociais, percebeu que isso é prática comum do barzinho da moda de Sampa. Muitas outras mães passaram pela mesma situação.

Você pode dizer que é drama, que esse “circo todo” é desnecessário, que ela é lacradora, que o bar tá certo porque isso não é ambiente pra criança… Você pode me dizer o que você quiser e eu vou te dizer sempre: você, se não é mãe solo, não faz a mínima ideia do que está falando. Se fossem proibir pais de entrar nos bares, aí a gente ia ter uma discussão decente sobre isso. Mas não vai acontecer. Porque pais solo praticamente não existem. E você vai dizer de novo: existe sim. Aí, não vamo comparar, não, que o país tem 11 milhões de mães solo e 1,1 milhão de pais na mesma situação (que criam os filhos sozinhos). E não sou eu que tô falando, é o IBGE com dados de 2021.

Então eu poderia ficar aqui até amanhã e escrever um tratado sobre como mãe solo tem a vida pessoal praticamente zerada depois de ser mãe. Por N motivos. A Marcelle da história aí acima, ela pelo menos foi convidada pra uma festa. O que acontece em muitas ocasiões, é que a mãe sequer é convidada pra festas, eventos, comemorações. Pra nada. E a vida da mãe se resume a ser mãe.

Eu fui mãe aos 17 e isso significou pular da adolescência pra vida adulta num período de 9 meses. De repente, eu não ia mais a festas que não fossem de família. E foi assim por CINCO FUCKING YEARS. Dos 17 anos 22, eu não viajei, eu não fui em NENHUM barzinho, em nenhuma festa, em porra nenhuma que não fosse com meus familiares. Era casa-trabalho, trabalho-casa. Os amigos “diminuem” bem rápido. Mas o pai, esse foi onde quis, quando quis, sem ter que explicar nada pra ninguém, sem ter que levar o menino a tira colo. Aliás, coisa que ele nunca fez: levar o garoto pra NADA. 0. Nunca.

Quando eu converso com amigos de agora, com meu companheiro, com colegas de trabalho e ouço as pessoas falarem sobre como era a vida na juventude, eu só penso que eu não sei o que é isso. Nunca soube. E não vou saber. Eu não viajei, eu não fui em festas, eu não passei o rodo, eu não usei drogas muito doidas, eu nem bebi por muito tempo, eu não fiz nada, exceto ser mãe. E quando meu filho ficou maior e eu pude voltar a ter algum lazer que não passasse por ele sempre, ele ainda continuou sendo meu filho e eu continuei sempre abrindo mão de coisas. Por ser mãe.

Daí que quando eu vejo uma mulher chorando porque não conseguiu entrar na comemoração de aniversário da amiga, me vem um filme à mente que me deixa numa bad desgraçada. Porque eu odeio lembrar do quanto fui excluída da sociedade por anos. As pessoas dizem: nossa, mas agora você tem 34 e seu filho tá criado (ele tem 17). E eu penso: você não faz ideia do preço que eu paguei por isso.

Se essa situação rola com uma mulher branca num barzinho top, cê imagina do lado de cá, com pessoas negras, periféricas, em que a única coisa que você ouve o tempo todo é: vê se não vai arranjar outro filho, hein?!

Saiba que quando você exclui uma criança, você exclui uma mãe. E que não adianta ser desconstruidão, ser antifa, ser #ForaBozo, e continuar excluindo pessoas. E veja: o caso rolou num lugar modinha, caro, cheio de gente branca dessas que discutem veganismo e cuidado aos animaizinhos. Mas a mãe solo? Ela que se foda.

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