Gordofobia médica

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Nossa, que desânimo de escrever essa matéria. Porque eu, como muitas outras pessoas gordas, tenho um histórico de gordofobia médica na vida que só me afastou do cuidado comigo mesma. No fim das contas, ir ao médico e fazer algum tipo de acompanhamento da saúde acaba sendo um autocuidado, mas como isso é possível se seu corpo é visto como doente e errado desde que você nasceu? Eu tenho 36 anos e não me lembro de nenhum médico que nunca tenha me dito que eu estava gorda e que não tenha atribuído meus problemas de saúde da época por isso. Conheço gente que foi até desencorajada a engravidar por estar acima do peso.

Eu passei sete anos sem ir ao médico por isso. Só vou ao médico se estiver morrendo, era o que eu dizia pra mim, e isso é algo que ainda estou tentando mudar. Desde que me entendo por gente, ouço que preciso emagrecer senão quiser morrer, afinal, sou filha de uma mulher gorda diabética e já falecida.

O problema da gordofobia médica é que é uma coisa muito cruel, uma vez que se vale de uma subentendida hierarquia de saberes, como a do médico. Quem é que contraria médico? É muito raro. A gente é criado pra acreditar que eles sabem de tudo, principalmente numa situação assustadora e de emergência. Na real, ser gordo já é assustador quando te colocam como um corpo doente, horroroso e desleixado o tempo inteiro. Além de doente, a culpa é sua por tê-lo deixado assim, tão mal cuidado.
Infelizmente, isso aconteceu também a Edileny Mayre de Oliveira, de 46 anos, em Cuiabá, no Mato Grosso, em 2019. Conforme reportagem do G1, depois de ir ao médico queixando-se de dores no seio direito, Edileny ouviu do médico que aquilo era gordura e que ela precisava emagrecer. Ainda assim, ela pediu que fosse feita uma ultrassonografia e uma mamografia, e mesmo após o resultado, ouviu do médico que o nódulo desapareceria e que ela não deveria se preocupar. Edileny ainda foi atrás de uma segunda opinião, outro médico, que também lhe disse que era gordura e que o nódulo não era nada, receitou um remédio e a desestimulou a operar por causa da cicatriz que o procedimento deixaria. Foram três meses de dores e inchaços, até perder os movimentos do braço direito.

Finalmente, ao procurar novamente a unidade de saúde, Edileny foi encaminhada ao Hospital do Câncer e diagnosticada com câncer de mama avançado. Hoje, ela já retirou as duas mamas, o útero, as trompas e o ovário, uma vez que a doença se espalhou por outros órgãos do corpo. A auxiliar de enfermagem vive hoje com os três filhos, sem receber pensão dos pais das crianças, e com o auxílio-doença de R$1.212. Os pais são falecidos, e ela hoje mora com os filhos na casa da irmã. Com a ajuda deles, criou uma vaquinha para doações, já que durante seu tratamento um de seus filhos desenvolveu puberdade precoce e depende também de um tratamento mensal.

A vaquinha tem a meta de 70 mil reais e foi criada em setembro de 2020, ao que arrecadou somente R$2.258. Mesmo assim, Edileny continua trabalhando vendendo frango assado e rifas para conseguir cobrir suas despesas.

Clique aqui para ajudar.

Vou falar mais o que? É isso. Eles não só veem nossos corpos como doentes como também o adoecem pela negligência e pela gordofobia nossa de todo dia.

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