Gorda de lingerie

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Eu tive, ao longo da vida, algumas poucas peças dessa coisa que se chama lingerie e que consiste em peças de roupa íntima feminina normalmente feitas de renda ou algo parecido que, supostamente, exalam e carregam a responsabilidade de uma certa ideia de sensualidade do corpo feminino.

Mas nunca foi fácil achar esse tipo de roupa íntima para mim e, por muito tempo, eu comprei quando estava em relacionamento por achar que isso fazia parte do mise-en-scène que era se relacionar com alguém, amar e ser amada e, principalmente, se sentir desejada.

Aí sempre foi aquilo né, calcinhas que nunca cabiam na minha buçanha, aros em sutiãs que não cabiam nos meus peitos e ainda me machucavam, peças que nunca eram feitas pro meu corpo, mesmo que eu fosse gorda menor, mesmo que usasse os maiores tamanhos possíveis das marcas.

E aí tem um tempo que eu entendi que ser sexy não é sobre o que a gente veste ou sobre o que a gente expõe, é sobre como a gente se sente e quem a gente é.

Quando alguém diz que meu corpo é sexy, isso não passa de uma visão subjetiva de alguém, e diz muito mais sobre o desejo do outro do que sobre quem sou. Nesse sentido, ser sexy, pode ser um monte de coisa e não precisa estar atrelado a um pedaço de pano sexualizado e na maior parte das vezes desconfortável como a lingerie de renda.

Porém, entretanto, todavia, me encontrando agora num momento da autoestima em que não preciso mais de validação externa, ou seja, não preciso que me digam que sou bonita para me sentir bonita, resolvi experimentar novamente comprar lingerie, a essa altura do campeonato, essa de renda e sexualizada, mas dessa vez só para mim, só porque eu tô a fim de me ver assim mermo.

Porque é isso, né, gente. Essa lingerie de renda e sexualizada raramente é confortável, principalmente para corpos gordos, e a gente precisa urgentemente desatrelar essa ideia de que usar lingerie nos faz mais femininas, sensuais e desejáveis, e precisamos cada vez mais internalizar a ideia de que ser sexy mesmo é se amar, por mais bobo que isso pareça. Ser sexy é ter confiança em si mesmo.

E confiança não é lugar fixo e estável não: é lugar que precisamos manter todos os dias, nesse mundo em que temos cada vez menos direitos, e em que seguimos sendo cada vez mais agredidas e violentadas, mesmo que tentem nos mostrar o contrário. Nesse mundo que tanto nos ensina a competir e a se odiar.

Então, já faz um tempo que eu aboli os sutiãs de aro e as calcinhas muito pequenas da minha vida, tenho optado cada vez mais pelo conforto. Calcinha pequena, só o bíquini mesmo, na praia, pra fazer marquinha. Ou quando eu me sinto gostosa demais, nesse prazer inenarrável que tenho de me vestir pra mim mesma: aí curto tomar um banho à luz de velas, passar óleo na pele, e depois botar meus fio dental de algodão bem delícia só pra me olhar no espelho e depois ir dormir bem cheirosinha.

Pra não mentir, vou contar que ainda tenho um sutiã de aro, que uso muito de vez em quando, mas fora esse, troquei absolutamente tudo de roupa íntima que tinha por tops e calcinhas de malha, viscose e algodão, em modelos mais “retrô”, de uma marca muito maravilhosa (@useunderline) que tem tamanhos até o 60.

E aí o que eu queria comentar mesmo na verdade, foi a dificuldade que encontrei em achar lingeries para o meu corpo. Não é nada fácil. A maioria das marcas só possui tamanhos até o g, ou um gg muito pequeno. Vocês conseguem enxergar o quão surreal é que marcas ainda tenham seus números somente até o GG? E que os tamanhos maiores sejam sempre mais caros, em sessões especiais e separadas? Olha, é uma verdadeira batalha, viu. Imagina se eu ainda tivesse pensando que ser sexy estava atrelado a esse tipo de roupa íntima? Mas não, eu só queria me olhar no espelho e me fotografar de renda, é pedir muito?

É como se o corpo gordo não tivesse direito de nada, muito menos de ser sexy, como se as roupas não fossem feitas pros nossos corpos, e pasmem: não foram feitas mesmo. Na real, como nossos corpos são vistos como errados e doentes, era praticamente algo que não deveria existir.

Mas a gente existe e resiste, e a gente vai usar lingerie sim! E se num tiver do nosso tamanho, a gente vai criar nossas próprias marcas, belê?

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