Ficando pra titia… ou não

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Ser mãe sempre foi um sonho que me impuseram, como a muitas outras pessoas. Então, eu fui criada nessa ideia de que a gente precisa casar, ter filhos, pra só depois poder ser feliz e, de preferência, com um homem ao seu lado. É isso que esperam da gente. O que importa é ter alguém (um homem) do nosso lado, amar e ser amado. Isso é enfiado na nossa cabeça quando a gente nasce, sem que nos ensinem a nos amar, moldando a nossa visão do mundo e de nós mesmos, e nos levando a aceitar qualquer migalha de afeto dessa ideia errônea de amar o outro e do que é exatamente ter um relacionamento com alguém.

E nossa, eu tive uma mãe maravilhosa. Superprotetora, mas maravilhosa. E vi minha irmã ser mãe aos 17, quando eu tinha quinze. Na época, foi muito assustador, e esse se tornou o meu maior medo por grande parte da minha vida. Eu não entendia como que mesmo tendo a mesma educação sexual que eu, ela tinha engravidado. Eu não fazia ideia das questões que atravessavam esse tema. Mesmo assim, essas duas mulheres me mostraram como era ser mãe e ser maravilhosa, apesar de todas as dificuldades.

Então, eu tinha mesmo esses grandes exemplos da experiência de ser mãe em casa. Eu sempre achei ser mãe um negócio muito forte e muito doido, e ver o quanto essas duas mulheres dedicaram suas vidas a seus filhos, sempre me fez entender que isso era um bagulho muito especial. Eu me sentia meio que impelida a isso: pra mim era natural que eu também quisesse ser mãe. Era o caminho “natural” a tomar. E eu experimentei esse sentimento e essa expectativa em suas piores formas. Numa delas, a do desejo de ter filho pra salvar um casamento ou pra quem sabe, me sentir mais digna de amor. Até ouvir que isso não seria possível porque ele não achava que eu seria uma boa mãe.

Daí só quando eu me separei que eu fui saber o que era relacionamento abusivo; e quando me dei conta de que estava em um, foi que parei pra pensar se essa vontade era realmente minha. Essa “vontade” de ser mãe, esse relógio biológico gritante com que a sociedade nos esmaga feito bigorna, desde que nascemos.

Depois da separação, eu segui o caminho do empoderamento, de entender o que eu tinha vivido em todos os meus relacionamentos e todos os abusos que tinham passado batidos pra mim, e que eu achava que eram formas de amor, porque eu não me amava o suficiente. De entender como eu tinha me submetido a tanta coisa, como eu tinha lutado tanto por esses relacionamentos merda que eu tive. Pra mim, ser amada era aquilo, e eu só seria feliz se fosse amada e estivesse num relacionamento. E por isso eu aceitei um monte de coisa errada.

Só quando entendi isso, foi que eu pude entender qual era a minha vontade. Sim, eu queria ser mãe. Mas não era mais monogâmica nem me via mais como heterossexual, então, não ia ser do jeito que esperavam. Depois disso, e através de todas as minhas vivências até hoje, eu percebi que provavelmente, jamais seria digna de afeto. Quase nunca, na verdade. E que quanto mais eu escolhia, quanto mais de mim eu exigia ser, menos eu era alguém considerada para se ter um relacionamento. Então, se eu ia querer ser mãe mais velha e sozinha mesmo, por que é que eu ia ficar esperando aparecer alguém, pra ter um relacionamento e finalmente querer ter filho comigo? Porque às vezes eu me pego pensando, sabe? Cara, imagina se eu ainda estivesse esperando isso como condicionamento pra ter um filho?

E eu escrevo e falo de sexo, sexualidade, trabalho com nudez e isso faz com que muita gente não me veja sendo mãe. Eu ouço muito dos outros: “Ué, VOCÊ quer ser mãe?” Que engraçado, né? Como se falar de sexo me tirasse essa capacidade. Mas eu quero lembrar que mãe também goza e também fica pelada, e eu espero cada vez mais lembrar as pessoas disso.

Porque aqui estou eu, aos 36 anos, escrevendo sobre sexo, ficando pelada nas redes, fazendo sexo e ainda querendo ser mãe, vendo várias amigas sendo mãe muito mais cedo do que eu, mas sem me sentir mal por isso. Porque eu sei que minha hora vai chegar. Somos pessoas diferentes, com cabeças diferentes. E a que me importa é a minha.

Quero ser mãe depois do quarenta, pra dar tempo de me estabelecer bem e não depender de ninguém. Pago inseminação, congelamento de óvulos, mando trazer por sedex: o que for possível quando eu tiver dinheiro e disposição pra isso. Mas vou ser mãe, eu quero, seja por inseminação ou por adoção e não há nada nesse mundo que me faça desistir disso. E vai ser na hora que eu quiser e não na hora que esperam de mim.

E eu não tô sendo melhor do que ninguém fazendo isso – até porque na verdade, pelos olhos da sociedade, eu já estou velha pra ser mãe –, só estou sendo eu mesma, e seguindo as minhas vontades, como deveria ter acontecido desde o início, a mim e a todas as outras pessoas. E isso só aconteceu porque eu parei pra entender o que eu tava sentindo, o que eu tinha vivido. Eu pude parar pra fazer isso, quando me separei e me enxerguei numa relação abusiva, que me fez questionar tudo o que eu sabia e sentia. Ali eu tive que entender quem eu realmente era, o que tinha sobrado pra eu catar e quem eu ia querer ser a partir daquele momento.

Pode parecer perturbador para algumas audiências, mas faz muito bem a gente querer ser a gente mesmo e tentar minimamente viver a nossa vida do jeito que a gente gostaria.

Sigo tentando.

E fiquei pra titia sim, por enquanto, mas ainda vou ser mãe algum dia. 

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