Estou farta de semideuses

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Eu acho engraçado a galera que critica o Vyni com tanta propriedade, como se nunca tivesse sido carente na vida. Como se nunca tivesse se arrependido de uma só coisa na vida que tenha feito pra tentar ser aceito, pra se sentir mais amado, mais querido. Vyni claramente é uma pessoa carente emocionalmente, que tem mil problemas pra ser aceito e faz de tudo pra que isso aconteça. Como que eu sei disso? Eu já fui assim. Teve uma época da minha vida em que eu fazia de tudo pra ser aceita. Era quem lavava a louça nas festas e viagens, estava sempre presente e disponível para tudo e para todos, mesmo que isso me ferisse; era quem dava presentes inesperados aos amigos e à família, coisas que eu mal podia pagar, mas que eu achava que me garantiam um amor que eu nunca teria porque até eu, achava mesmo muito difícil de me amar. Emulava gostos, engolia lugares e pessoas que não gostava e que não me cabiam só pra não me sentir excluída, ou sozinha. Pra ver se eu conseguia me sentir amada.

Quando a gente passa uma vida inteira acreditando ser difícil ser amado, a gente tenta fazer isso pra garantir. A gente se omite, a gente força, a gente se molda pra que o outro nos aceite, mesmo que essa expectativa de ser exatamente o que esperam da gente seja inalcançável. Ser exatamente que somos é um ato de extrema coragem. E de solidão, na maior parte das vezes.

E o BBB há tempos já não é um programa de merecimento, mas vocês escolheram deixar dois macho hetero em vez da bicha carente afeminada. vocês preferem que dois homens brancos ganhem um milhão e meio porque a bicha não entreteu vocês o suficiente.

Vyni lidou com a frustração de não corresponder ao personagem que esperavam dele. Vyni nunca foi o novo Gil do Vigor, até porque, quando estava na casa, Gil também era muitas vezes rechaçado e criticado, chamado de forçado e escandaloso. O Brasil odeia bichas afeminadas, assim como odeia mulheres, pessoas gordas, pessoas pretas, trans e travestis. “Ah, mas temos a Lina como uma das favoritas”, sim, e ela vai concorrer com homens brancos, se ganhar, tomara, vai ser acirrado. Isso se ela não for cancelada antes disso por qualquer coisa que não corresponda à agir de acordo expectativa dos outros.

Eu tô cansada dos privilégios pros privilegiados. Eu tô cansada de ver homem branco vencendo. Quem é que tem direito a tudo e a todos, e tem sempre todas as oportunidades pra eles? Se o mundo até hoje é dos homens brancos, é porque vocês mesmo deixaram.

Vou fazer a gata literária e deixar uma modinha aqui pra vocês, que nunca foram dignos de pena e não têm vergonha do passado:

“Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia
Não, são todos o ideal, se os oiço e me falam
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil
Ó príncipes, meus irmãos
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado
Poderão ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza
Argh! Estou farto de semideuses
Argh! Onde é que há gente? Onde é que há gente no mundo?”

Fernando Pessoa – Poema em linha reta

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