Elegância

Leitura: 6 min
Foto: Reprodução (Lionel Hahn/Getty Images)

Toda vez que sai uma notícia envolvendo pessoas pretas, sobretudo em situação de conflito, seja físico, seja de palavras, eu sou questionado por parte da minha bolha. Sabendo da minha acidez habitual, algumas pessoas buscam saber minha opinião acerca da polêmica da vez. E muitas vezes se surpreendem.

É lógico que estou me referindo ao ocorrido na entrega do Oscar entre o Fresh Prince e o Carinha que Mora Logo Ali, em alusão máxima ao botadão pedagógico que o primeiro desferiu, sem dó, no segundo. Ainda que eu não saiba bem a razão disso, meus posicionamentos acabam tendo algum tipo de relevância para algumas pessoas, então sou procurado. Até aí, tudo bem.  

Fotos: Reprodução (Karwai Tang/Getty Images | Al Seib/A.M.P.A.S via Getty Images)

Só que eu evito. Juro! Evito com tudo o que sou me envolver nessas questões, porque é estresse em demasia. E é sempre a mesma e única coisa que me tira do sério. Em verdade, é bem mais do que isso, me faz virar no Jiraya mesmo: brancos e brancas, sobretudo “progressistas”, de esquerda, se aproveitando de uma questão ampla e sensível pra destilar seu racismo diário, e claro, pra falar todo tipo de merda possível.

De modo que, se tu é Branco (aqui entenda o termo como algo genérico, conjunto) e está lendo isso aqui agora, no menor mexer de boca ou no mínimo esforço muscular dos teus dedos pra tentar digitar algo aqui, antes de mais nada, te admoesto:

O Fogo do Divino te eliminará.

Dito isto, é preciso que eu admita que, dessa vez, literalmente, eu li de tudo. Que Will não tinha civilidade, que era intempestivo, que estava “mal psicologicamente” e até mesmo que ele estaria em um relacionamento abusivo. Mas o que mais me impressionou, e sempre há de me impressionar, é a capacidade INATA do Branco de promover a desumanização de pessoas pretas ao mesmo tempo em que defende com unhas e dentes uma moral “santa”, na qual, em suas palavras, “nenhum tipo de violência se justifica”.

Ora, eu disse outrora que muitos dos que perguntam minha opinião ou meu posicionamento, acabam se surpreendendo. Pois bem:

hoje é dia de surpresa pra tu.

Porque eu tenho um total de zero compromisso, Branco congênito, de te deixar confortável com o que tenho a dizer. Eu até vim pra te explicar algumas coisas, mas também pra botar fogo.   

Pra início de conversa, é preciso dizer que a violência também é potencialmente resolutiva. Sempre como um meio, jamais um fim. Aliás, quando se trata de torná-la um fim, entramos na esfera jurídica mesmo, o que configura crime. Mas a violência como meio, por si só, também é um mecanismo de defesa.

Aliás, só diz que a violência “nada resolve” e que “qualquer violência é injustificável” quem não apanha, ou melhor, NUNCA apanhou, como é o caso do escroto do Jim Carrey e do Alexandre Nero, por exemplo. Por isso que, claro, 97% das manifestações nesse sentido nas redes nos dias que seguiram o conflito de Smith com Rock, são de pessoas brancas. Quando tu apanha, parceiro, a violência, enquanto forma legítima de defesa, se torna, sim, uma opção plausível. E muito viável. Porque é a tua forma de resposta a tanta porrada. Como diz Leandro Roque de Oliveira, Profeta desse tempo, “tanta agressão enlouquece!”. E pra lidar com isso, muitos de nós, sobretudo pretos, revidamos. Não nos chame de errados por isso. Culpe o jogo, violento por si só com todos nós há papo de 500 anos no MUNDO TODO, mas EM HIPÓTESE ALGUMA o jogador. Não seja emocionado(a/e).

Falando nisso, eu ouvi um “fogo nos racistas” de um branco que me chamou de RACISTA BLACK e que disse que eu me vitimizo. Uma fala que tu, uáite, adora se apropriar pra “se juntar à causa”. Só não esqueça, jamais, que esse fogo é, em análise sumária e absoluta, pra tu mesmo. Admita-se racista, se rasgue por completo, e TALVEZ assim o fogo caia MENOS sobre ti.

Outro ponto importante que é preciso escurecer é justamente o ponto outrora dito da defesa. Defesa do quê? Defesa de quem? Will se viu na necessidade de proteger sua esposa. Ô sem melanina, eu estou um total de ZERO preocupado se eles se traíram, se abriram relação, qualquer coisa que tu queira argumentar. Mulher preta é Sagrada, rapá. Tu jamais vai entender isso. Pra isso, eu te teletransporto lá pra Norte, na Vila Cruzeiro, de onde eu vim. Coisa rápida.

Eu fui criado com a rapaziada que era tudo Filho do Movimento, ou seja, só os menó periculoso. Os filho dos home brabo do Complexo. E aprendi algo pra nunca ousar fazer igual. Tu quer deixar bandido puto? Manda ele tomar no cu. Ele vai cair na mão contigo, mas talvez um dia até fale contigo de novo. Agora, tu quer ver a morte? Xinga a mãe dele. Ou a avó. Ou a irmã. Ou a tia. Fala assim na lata de em Frente lá de onde eu vim: “filho da puta”. Não vão mais encontrar teu corpo.

Tu tá pegando essa visão?

Pro marginal, aquele que tu, Branco, ou quer ver morto ou só repete que nem papagaio de pirata que “educação é a solução”, um dos crimes hediondos é insultar a mulher de casa. Seja ela a companheira, a mãe, a filha ou a avó. Tu morre furado igual.

Will, portanto, defende sua mulher, preta, numa expressa relação de proteção ancestral que só quem é preto entende. A propósito, nenhuma mulher preta que eu vi ou conheço e tive contato, seja famosa ou anônima, disse que Will fez mal. Ao contrário, enfatizaram a importância do gesto elegante de Will em favor de sua família. E tu achando que a gente liga pro que tu fala.

Fora toda essa questão, esse povinho progressista, do qual tu provavelmente faz parte, fez um esforço descomunal pra defender o sem-melanina alemão que namora a Sarah Fonseca, modelo e empresária que sofreu racismo há algumas semanas, alegando que ele não poderia fazer nada pra defendê-la do racista escroto, porque não entende o idioma brasileiro. Ele não entendeu uma mulher, a SUA NAMORADA, chorando e apontando, com voz angustiada, pra um cara? Alemão é frio, eu sei melhor do que gostaria até, mas aí já é demais.

Pois bem. Will e Chris Rock falam a mesma língua. Ele foi lá e fez o que se espera dele, já que sua esposa, por N razões, não se vê em posição de reagir àquela violência. E tu diz que Will não tem civilidade? Tu é mesquinho(a) demais.

Por fim, eu digo que, mesmo em vista do conflito, ambos os protagonistas dessa história têm tudo para saírem enormes dessa situação. Ainda que as desculpas que surgiram nas redes e foram atribuídas a Chris Rock, autor da violência gratuita em forma de piadoca a uma mulher, não sejam, por ora, verídicas, o pedido de desculpa de Will é real, intenso e verdadeiro, como ele mesmo. Melhor dizendo, é humano. Chora, abre o coração, assume que poderia ter feito diferente, se retrata e busca finalizar essa polêmica toda. Lindo mesmo seria se Rock também admitisse que exagerou. Uma oportunidade incrível não de esquecer, mas de passar essa página de maneira enfática e delicada.

Cabe ainda uma menção honrosa para o ancestral mais velho, Denzel Washington, naquele papo de pé de orelha que só um mais velho dá mesmo. Podemos tirar isso de lição: o mal vai até você no seu momento de glória. Sejamos o Denzel do nosso irmão e da nossa irmã.

Fato mesmo é que NADA há de tirar o brilho do talento de Will na forma daquela estatueta, nem mesmo se a Academia resolver tirar o prêmio dele. Ele é o melhor ator do ano, e fim de papo. E mais: o tapa foi um jeito elegante e cortês de dizer que

“violência se adapta, e um dia ela volta pra você”.

Elegância, atividade e tato. Lealdade, humildade e procedimento. A gente vê por aqui.  Eu, certamente, não seria tão grande, tão elegante. Tão Will. 

Fontes:

https://hiphopdx.com/news/id.69122/title.chris-rocks-team-shoots-down-rumor-he-apologized-to-will-smith-jada-pinkett#

https://hiphopdx.com/news/id.69115/title.chris-rock-hasnt-spoken-to-will-smith-since-the-oscars-slap-despite-diddys-claim-its-all-love

https://www.band.uol.com.br/entretenimento/jim-carrey-critica-plateia-do-oscar-por-aplaudir-will-smith-covardes-16502673

Compartilhe

Leia também

O site da Coluna de Terça utiliza cookies e tecnologias semelhantes para ajudar a oferecer uma experiência de uso mais rica e interessante.