De novo o coito interrompido. Em 2022.

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Ainda estou meio em estado de choque com um relato que li no UOL esses dias, sobre uma influenciadora de 38 anos que engravidou. Bem, o relato de uma mulher com gravidez tardia sempre me anima, pois eu sou uma mulher que quer engravidar depois dos 40, então, ler essas histórias acabam sendo um incentivo pra mim. Porque é isso, todo mundo fala da dificuldade de engravidar mais velha, mas todos os anos mulheres continuam engravidando e soltando falas como “o médico falou que eu não engravidaria, mas eu engravidei!”, “gastei num sei quanto em inseminação, mas só engravidei quando parei o tratamento” ou coisa parecida. Então, é difícil, mas é possível.

Mas a questão aqui nem é essa, na real, pois o buraco é bem mais embaixo. Primeiro quero dizer que esse texto não é nenhum julgamento pessoal à influenciadora. Esse texto é sobre as questões que atravessam a vida sexual e os estigmas que perseguem uma mulher.

Uma influencer de 38 anos viralizou ao contar a história de sua gravidez. Em seu tiktok, há diversos vídeos sobre sua experiência como mulher, e após a gravidez diversas reflexões, perguntas, respostas e críticas que ela responde dos seguidores sobre a vida de mãe solo, a gravidez e afins. No meio disto, foi contando sua história.

Depois de 14 anos de um relacionamento com um “homem que queria muito ser pai”, conforme ela mesmo relata, e de várias tentativas em vão de engravidar (ela, que sofria de endometriose e pensava que por isso devia ter alguma dificuldade de engravidar), ele termina o relacionamento. Já começa daí, né? Esse modelo errado de relacionamento, que vem da idealização errada de amor e é só ladeira abaixo. É como se ela tivesse sido dispensada por não ser fértil o suficiente. Uma vaca leiteira que não tá produzindo leite, cês tão entendendo esse papel da mulher num relacionamento? E como se só se pudesse também ser mãe engravidando, porém, beleza. Vamo deixar isso quieto por agora. 

Então ela achava que era infértil, porque o marido já tinha feito exames e tinha dado tudo normal. Ou seja, a culpa era dela, ou pelo menos foi nisso que fizeram-na acreditar. Ela conta que nunca tinha feito pegação por aí, pelo medo do estigma de “vagabunda”. Aí já tem outro ponto. Você deixar de fazer o que quer por medo do que vão dizer. Uma sensação que nós, mulheres, conhecemos bem, não é mesmo? Pra no final a gente aprender que vão falar mal da gente de qualquer jeito, pegando geral ou não. Aquele papo que a gente já conhece: as loucas, chantagistas, histéricas, desacreditadas e aproveitadoras que sempre somos. Nada de novo no front, mas sinto que mulheres como ela ainda percam momentos de liberdade em suas vidas por causa disso. E eu, mais do que ninguém (e como muitas outras), sei bem como é ser mal julgada o tempo todo.

Então, livre, leve e solteira, ela voltou a se relacionar com outros homens. Transou com quatro em um mês, ótimo, fez como queria e sentiu querer, beleza, tá no direito dela, ninguém tem que julgar isso e isso não pode ser medidor de seu caráter, ok? No entanto, aí vem a porrada: transou com três sem camisinha e fez coito interrompido, e um que a camisinha estourou e ela tomou pílula do dia seguinte. E engravidou sem saber quem era o pai.

Gente, quem me lê sabe que eu não tô nem aí pra quantidade de pessoas com que se faz sexo. Mas eu tô muito aí pra essa naturalização do coito interrompido. Cara, estamos em 2022, gente. Pelo amor de Deus, como que ainda tem gente transando por aí sem camisinha e achando que o maior problema da vida é engravidar? Eu já estive nesse lugar, e já falei dele em outros textos. Esse lugar em que a gente se coloca sem querer, de acreditar quando os homens nos dizem que querem “nos sentir melhor” ou “ter maior conexão” só pra transar sem camisinha e meter do jeito e na hora que eles querem sempre? E nós que lidemos sozinhas com as consequências depois.

Porque o sexo cis hetero gira em torno do pau e da penetração. Gira em torno do prazer desse homem cis hetero como único. E repito, é 2022 e ainda tem gente achando que sexo é só penetração. E tem gente fazendo coito interrompido por aí e ignorando a existência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) o tempo todo. Isso é que me desespera.

Mas na nossa educação sexual deficitária a gente aprende isso, embora passe os olhos na existência de todas as doenças, conheça todas as histórias, a gente aprende mesmo é que não pode engravidar. E o coito interrompido é um dos piores resultados dessa história, porque ilude a gente a achar que assim não engravida, fala-se muito pouco sobre o assunto e não protege ninguém de doença nenhuma. Isso porque eu tô ignorando aqui a alta taxa de contaminação de mulheres casadas e da infidelidade da grande maioria dos homens casados. Que seguem traindo sem camisinha nesse conto de fadas monogâmico que foi implantado nas nossas mentes. Não é só o coito interrompido: é aquela pinceladinha, aquela esfregadinha sem camisinha que também rola antes da penetração, ou o famoso “só a cabecinha” que tanto ouvimos, algo com que muito pouca gente se preocupa por acreditar que é algo muito rápido e sem esperma, portanto quase impossível de engravidar. E as doença que se lasquem pra fingir que não existem. E o líquido pré-ejaculatório e cheio de espermatozoide também. RISOS CHOROS

O que acontece é que sei que lugar é esse. De se sentir amada, sei o que é ser mulher na cama cheia de medos e performances esperadas. Sei o que é se preocuparem muito pouco com meu prazer e mesmo assim, eu me sentir obrigada a dar mais prazer para o outro. Então, são muitas questões que perpassam esse assunto. Essa mulher não tá errada de transar com vários em um mês. Tá errada em achar que coito interrompido é suficiente para não engravidar e ignorar a existência de doenças, provavelmente porque acreditou no papo desses homens.

Gente, eu já transei sem camisinha. Várias vezes, e juro que não estou julgando. Sei o que é querer ser aceita, sei o que é querer ser amada, sei o que é querer não ser vista como chatinha só porque queria transar e ali ficou “empatando” querendo botar camisinha, aí o cara brocha e a gente se sente uma merda e acaba cedendo. Sei bem. Sei também que é bom transar sem camisinha. Mas a gente não pode ignorar a existência das doenças! A gente não pode achar que a pior coisa que pode nos acontecer é engravidar!

A gente precisa usar camisinha, cara. Não tem jeito. A não ser que você tenha um só parceiro que faça exames frequentes com você e que vocês usem outros métodos anticoncepcionais, como pílula, injeção, DIU e afins. E mesmo assim, nada garante 100% que você não vai engravidar e confiança em homem nunca foi 100% mesmo. Mas também sei que a gente acredita em muita coisa pra ser amada.

O que a gente precisa lembrar é que a gente tá numa sociedade falocêntrica feita para homens, que só privilegia homens e que permite que um homem num relacionamento monogâmico traia tranquilamente sua parceira, com a desculpa de que “tem suas necessidades” ou de que “homem é assim”. Então, não dá pra confiar. Tem que usar camisinha sim e coito interrompido não é método anticoncepcional que deveria ainda ser levado em conta nos dias de hoje. Exclusividade de parceiro também não.

Aí quando eu falo que tudo gira em torno do amor próprio cês acham que eu tô exagerando. Se a nossa educação sexual fosse voltada a nos fazer entender que nosso corpo nos pertence, que precisamos nos amar e que amar também é cuidar de nossos corpos, metade desses problemas não existiriam. Mas isso fica pra outro texto.

No mais, o que eu queria dizer mesmo é:

PELOAMORDEDEUS, USEM CAMISINHA!

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