Consequências

Leitura: 4 min
Bernd Thissen/dpa via AP, file

Na última sexta-feira (1º de abril), ganhou destaque na mídia alemã uma decisão importante e, porque não dizer, histórica. O Tribunal Regional de Berlin sentenciou à prisão, em regime fechado, a escritora Ursula Haverbeck, de 92 anos, conhecida como “Avó nazista”. Os motivos: incitação do povo ao ódio e propagação da ideia de que o Holocausto jamais ocorreu. Ela, portanto, concede entrevistas e faz aparições públicas afirmando que um dos eventos mais infames da história da Humanidade, segundo os brancos, simplesmente é uma mentira da mídia. E isso não passou despercebido.

Haverbeck, uma senhora em fim de carreira de vida, teve a prisão sentenciada porque, no entender da juíza responsável pelo julgamento da questão, não se trata de uma “pesquisadora do Holocausto”, mas sim de uma “negacionista do Holocausto” e, portanto, “está absurdamente distante da verdade histórica”, ao ponto de propagar não conhecimento, mas “veneno”. Além disso, fundamenta a magistrada, Haverbeck “fere gravemente a memória dos milhões de mortos” com suas colocações mentirosas. A sentença foi dada por um tribunal regional. Há um querer em proteger valores inegociáveis com ela. Mas ainda cabe recurso no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal alemão).

A distinta senhora já foi condenada várias vezes, tendo já ficado detida por dois anos e meio entre 2018 e 2020.  Isso não foi suficiente para que ela parasse. Na verdade, a opinião geral é que ela “não tem salvação” e é “completamente perdida”. Afinal, ela já afirmou repetidamente que o campo de extermínio de Auschwitz era apenas um campo de trabalho – o que já foi desmentido por vários historiadores incansavelmente.

A condenação atual é mais um recado claro da Justiça alemã, enquanto Instituição de poder, de que não irá tolerar qualquer vestígio de diminuição, desvalorização, chacota ou Fake News envolvendo um assunto tão sério. Acertadamente. E coerentemente também. O país que não tolera a mão levantada alto demais não poderia ter outra atitude a não ser reagir à altura em um caso como esse. De modo que não há distinção de pessoas. Sendo jovem ou velho, será punido(a).

E o que isso tem a ver conosco, do outro lado do oceano? Tudo.

Dois dias depois, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP) escreveu em seu Twitter uma mensagem em resposta à jornalista da Globo News, Míriam Leitão, ironizando a tortura por ela sofrida em 1972. Míriam, grávida, além de toda a truculência física típica e comprovada dos quarteis da época, foi posta em uma sala com uma jiboia. Sobre isso, o filho 03, supostamente apelidado de “Bananinha” nos bastidores da política, refez a frase do pai, que já havia dito

“Coitada da cobra.”

E, não satisfeito, o deputado não só não se desculpou do que disse, como foi a público para duvidar do ocorrido. Segundo ele, “não há vídeos” que comprovem tal violência. Como se alguém que comete um crime gravasse o crime para se recriminar.

Um dia antes, porém, o general Walter Braga Netto, ainda enquanto Ministro da Defesa, divulgou um texto celebrando o dia 31 de março enquanto um dia que iniciou um tempo novo na história brasileira, gerando um “fortalecimento da democracia”.

Tais atos, ocorridos antes e depois da sentença da senhora alemã, nos mostram o quanto as Instituições dessa jovem adulta democracia brasileira são, no mínimo, ínfimas e nanicas. Fosse este um país sério, os envolvidos nesses escândalos teriam o mesmo fim de Haverbeck: ficariam em uma cela comum, por no mínimo um ano, somente com os direitos básicos de sobrevivência, bem como prestando serviços. Mas não: quem fala tais coisas, aqui, vira deputado federal e se candidata a vice-presidente da República. Aliás, quem fala tais coisas se elege chefe maior do Executivo da nação.

As Instituições brasileiras são difíceis de acreditar. Órgãos outrora autônomos, como a Justiça e até mesmo a Polícia Federal, hoje não inspiram confiança. E muito disso pela estratégia diária e voraz do bolsonarismo de destruição delas. Foram e estão sendo bem-sucedidos, porque ninguém faz nada.

A bem da verdade, é importante saber que, como explica uma amiga jurista, “as jurisdições precisam ser provocadas”, de acordo com o Princípio da Inércia. Ou seja, as Instituições, como a Justiça, por exemplo, precisam ser acionadas para que algo, de fato, seja feito. Mas são tantos ataques a indivíduos, aos direitos e às próprias instituições, de maneira completamente antidemocrática, que eu me pergunto o que mais um juiz da Suprema Corte precisa de provocação para dar uma canetada como a colega de Berlin.

Para isso acontecer em terras brazucas, seria preciso começar do começo. Admitir que este país é fundado na maldição por ter sido o solo em que pessoas foram (e ainda são!) escravizadas, estupradas, assassinadas, apagadas. Admitir que houve um período de ditadura que perpetuou ainda mais toda essa herança maldita. E aí, só aí, expurgar os demônios, a partir de políticas de reparação aos povos envolvidos nesse massacre que já dura mais de quatro séculos e, claro, com linha dura juridicamente no tratamento de qualquer desrespeito à memória dos que sofreram esse tempo e dos seus descendentes.

Só que eles jamais farão isso. Seria transferir o poder para o preto, para os povos nativos, que construíram cada pedaço de chão desta terra. E isso eles, brancos, oligarcas, adoradores de Mamom, não podem admitir. “Nunca serão”, dizem orgulhosos e brindando champanhe. Riem na cara da democracia, na certeza da impunidade.

E você aí se perguntando se o 7×1 foi real ou fruto do multiverso.

Fontes:

https://www.spiegel.de/panorama/justiz/ursula-haverbeck-holocaustleugnerin-in-berlin-zu-haftstrafe-verurteilt-a-ba01fe80-1e78-4da2-be28-f43e7b37ff8c?utm_source=dlvr.it&utm_medium=%5Bfacebook%5D&utm_campaign=%5Bspontop%5D&fbclid=IwAR0sfZBWJvCKTsAfmoYFA42hbTikh2CvDQjHW-iAx1niLiaHzY5sz8lRdDo#ref=rss

https://www.zeit.de/gesellschaft/2022-04/haverbeck-holocaustleugnerin-haftstrafe-berufungsprozess

https://www.poder360.com.br/midia/eduardo-bolsonaro-ironiza-tortura-sofrida-por-miriam-leitao/

https://www.metropoles.com/brasil/eduardo-bolsonaro-duvida-de-tortura-a-miriam-leitao-nao-tem-video

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/03/31/interna_politica,1356782/em-ultimo-ato-a-frente-da-defesa-braga-netto-exalta-golpe-de-64.shtml

https://www.spiegel.de/panorama/justiz/ursula-haverbeck-so-begruendet-der-richter-das-urteil-gegen-die-holocaustleugnerin-a-d0947de7-972e-4bca-900c-c0081909cd12

Compartilhe

Leia também

O site da Coluna de Terça utiliza cookies e tecnologias semelhantes para ajudar a oferecer uma experiência de uso mais rica e interessante.