Advogados trabalhando como motoristas de aplicativo. Qual a novidade disso?

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Foto: Ricardo Borges / Folhapress

A Folha de São Paulo publicou uma matéria dizendo que aumentou muito o número de advogados que precisaram trabalhar como motoristas de aplicativo para garantir renda, e relacionou o caso à pandemia e ao aumento da tecnologia nos ritos processuais.

E qual é a novidade na precarização dessa profissão? Eu acho muito engraçado quando eu falo que sou advogada e as pessoas acham que eu sou cheia do dinheiro.

Gente, a advocacia não tem o glamour das novelas das 21h há muitas décadas. Na verdade, a advocacia é uma selva machista e racista, na qual é preciso muita habilidade e grandes porções de sorte para sobreviver.

Então a matéria da Folha só retratou o que todo mundo da área já sabe há anos. Advogado trabalhar como motorista de aplicativo é só a uberização literal de uma profissão que já era uberizada antes mesmo deste termo existir.

É muito provável que você já tenha ouvido falar no termo uberização do trabalho. O termo é uma referência direta à empresa Uber e está relacionado à venda de um serviço para alguém ou alguma empresa de forma independente e autônoma, que se dá normalmente, mas não apenas, por meio de uma plataforma digital.

Com o surgimento dessa nova modalidade, vimos um forte esquema de marketing que prometia um acréscimo de renda em um modelo sustentável de trabalho, no qual as pessoas utilizariam seus próprios meios para garantir “a cervejinha do final de semana”.

Só que a gente vive no Brasil, um país com quase 12% de desempregados. Por isso, ao menos por aqui, isso virou o único meio de sustento para milhões de famílias. Os trabalhadores não precisam garantir apenas uma renda extra, mas a renda necessária para colocar comida no prato e, por isso, trabalham em jornadas exaustivas e condições precárias para garantir o mínimo existencial (termo jurídico bonitinho para definir o mínimo que se precisa para se manter vivo com certa dignidade).

Assim, uberização virou sinônimo de precarização do trabalho, já que nessa modalidade há uma ausência absoluta de direitos trabalhistas.

Nada diferente do que os advogados já viviam antes. A própria matéria da Folha, narra que 2/3 dos advogados trabalham de forma autônoma e que o salário de 44% chega a uma média de R$ 2.500,00. Assim sendo, mesmo antes dos aplicativos, era comum ver advogados trabalhando em lojas ou em outras atividades em busca de sustento. Advogado é tão brasileiro quanto os outros 12% de desempregados.

Além da dificuldade de se viver por aqui, acrescenta-se o fato de que existem mais de 1500 cursos de Direito no país e que, por ano, se formam cerca de 125 mil advogados. O mercado é saturado e só nos restam as seguintes opções: aceitar salários baixíssimos e sem qualquer direito trabalhista, mudar de área ou contar com a sorte.

Mesmo que você seja muito bom, ainda assim é preciso contar com a sorte. Se você for mulher, sua situação só piora. Acredita no que eu estou te falando, tenho lugar de fala nisso aí!

Se você pensa que vai fazer Direito e passar em um concurso, ter um salário enorme e estabilidade e ainda ser chamado de Doutor, é melhor rever seus conceitos. Ontem mesmo uma pessoa me chamou de “queridinha”.

É mole ou quer mais?

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