A performance de inutilidade do homem

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Paula Cruz

Quando eu digo que eu queria ser homem é isso: eu queria que poder ser inútil fosse socialmente aceito comigo também.

Um meme me chamou atenção essa semana. Dizia assim: “Fiquei vagando por um shopping durante duas horas sem decidir o que eu queria comer. O homem sem uma mulher para mandar nele é apenas uma casca vazia”.

Porra, queria uma vida assim, com alguém que sempre decidisse as coisas por mim.
É isso que vocês acham que é relacionamento: virar mãe e responsável de homi. Olha, francamente, viu? Essa ideia de que a mulher, além de servir ao homem, ainda tem que operar como centro de reabilitação do mesmo já deu, né? A gente não tem obrigação de “consertar” nem “melhorar” ninguém, e isso não devia ser premissa de nenhum relacionamento, mas somos, frequentemente, impelidas a fazer isso o tempo inteirinho.

Sei que isso é antigo, é tradição; fomos criados por pais assim, que nos perguntam se já fizemos o prato de nossos maridos e namorados, e temos maridos que nos cobram cuidados com a casa que eles nunca tiveram. Eu tive um que vistoriava tudo o que eu tinha feito quando chegava do trabalho, porque eu trabalhava em casa e tinha obrigação de executar todos os afazeres domésticos, mesmo que, na maior parte das vezes, eu pagasse mais contas que ele e essa divisão fosse completamente desigual. E na casa da mãe nunca lavou um prato.
Mas na cabeça dele isso era uma obrigação minha dentro de um casamento.
Resultado: taquicardia, falta de ar e sudorese excessiva toda vez que ele metia a chave na fechadura, porque eu estava deprimida em casa e já sabia que quando ele chegava mais uma briga se iniciaria. Isso desencadeou uma síndrome do pânico que me acompanha até hoje.

Eu tô escrevendo isso num é pra mulher empoderada de internet aplaudir não, é pra quem ainda tá nessa fazendo prato de marido e achando que isso é dever dela dentro de casamento.

Aí outro dia, uma página muito legal inclusive repostou essa romantizada da performance de inutilidade do homem também e eu não pude deixar de comentar. Era um post meio engraçadinho de um cara que se vestia com as roupas QUE ELE PRÓPRIO ESCOLHIA e saía de casa igual um Agostinho Carrara; a filha rindo, todo mundo achando lindo e romântico como nem as próprias roupas o cara sabia escolher. OU SEJE, essa mulher que lava e passa as roupas dele, ainda tem que ter noção de estilo pra vestir o zé bonitin inútil.

Olha… tem que ter estômago pra viver dentro desse patriarcalismo, viu? Um patriarcalismo que bate no peito pra dizer que é chefe de família, mas precisa de uma mulher pra absolutamente tudo, e não porque não sabe fazer coisa nenhuma, mas porque LHE É PERMITIDO que não saiba fazer porra nenhuma. “Porque homem é assim mesmo, mulher é diferente”.
Assim fica difícil, mermão. Tem que fazer um esforcinho. Chega de cair nesse papinho de que “não lava roupa porque não sabe mexer na máquina”, mas joga on-line e no PS5 sem nenhum problema cognitivo.
Parem de nos fazer de otárias pra vida de vocês ficar mais fácil. Nós estamos cansadas, exaustas e, cada vez mais, nos dando conta de que não precisamos dar conta de tudo, muito menos de fazer o prato de vocês.

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