Modelo vivíssima

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Foi na autofotografia e na performance que encontrei um caminho de cura e descoberta que sigo até hoje. Aprendi a ostentar esse corpo que tanto me disseram ser errado e que nem devia existir.

Modelo vivo, pra mim, era a estética das belas artes, a “perfeição” de corpos magros, musculosos, simétricos e brancos. Por isso, todas as vezes que me convidaram eu recusei. Fora a angústia da ideia de permanecer imóvel, por uma ou duas horas, à disposição de quem me pintava ou desenhava, como um objeto inanimado.

Aí uma leitora da Coluna, Christiana Moraes, me convidou para participar como modelo “vivíssima” na aula de seu curso “Desenho sem rascunho: corpo-corpos”, no CPFSESC, em São Paulo.

Não sei se vocês fazem alguma ideia do que significa um corpo como o meu ser desenhado numa aula de arte. Numa arte que abriga muitos poucos corpos diversos, reais e, menos ainda, gordos.

Vejo meu corpo nu como potência de auto amor; quebra de tabu, dessexualização da nudez, desconstrução do auto-ódio, e contato com a liberdade.

Escolhi a música, como posaria e por quanto tempo permaneceria nelas. Me senti em casa. Portei meu corpo com orgulho, de peito aberto no centro da sala, enquanto os alunos tentavam apreender detalhes dele, para passar ao papel o que os olhos enxergavam e sentiam. Esse conforto atravessador que a arte traz, essa troca, essa sensibilidade que provoca dentro da gente. Ali, eu não era mero objeto sendo desenhado: estávamos todos juntos, num só sentimento artístico. Me senti acolhida, incluída, e me emocionei com tudo que foi produzido naquele dia.

Enquanto corpos como o meu seguem quase sem representatividade em diversas áreas, inclusive na arte, sem direitos, sem afetos, sem visibilidade, ali eu senti que era vista. Saí feliz pelo trabalho com nudez artística, que tanto amo e que tanto me fortalece, abraçada por todo acolhimento que tive. Permanece comigo aquela sensação de pequena revolução causada por esse convite, da professora-artista diferenciada, desse curso inovador e dessa oportunidade que me foi dada. O que eu senti naquele dia ainda reverbera pelo meu corpo. Obrigada por isso, Chris. E que a arte se inunde cada vez mais de corpos diversos. 

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