O dia em que acordei banida do Tinder

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Divulgação Tinder

Foi assim: abri o tinder e uma mensagem me dizia que minha conta tinha sido banida. Tentei entrar em contato, mandei e-mail pra ver se tinha havido algum engano e eles só disseram que não podiam dar maiores detalhes. O texto do banimento vem sempre respaldado por frases já bem conhecidas de quem luta contra o algoritmo nas redes sociais em geral, como eu: “sentimos que você violou nossos termos” e “é importante para nós que o Tinder seja um espaço acolhedor e seguro”. RISOS NÉ, TEM QUE RIR DESSA PORRA.


A essas frases eles acrescentam que também não será possível criar novas contas. Você fica banido PARA TODO O SEMPRE da plataforma. Mas se arrumar um telefone e um e-mail novos consegue. Mas quem sou eu pra insistir, quando já insisti tanto pra permanecer ali?


Foram oito anos no Tinder. No início, eu sequer aparecia para outros usuários no aplicativo. Acontece em todos os algoritmos, em todas as redes sociais, com corpos não padrão. Sejam eles gordos, pretos, com deficiência, trans ou não binários. Esses corpos só aparecem para outros usuários quando pagam a assinatura do aplicativo. De resto, o algoritmo prefere nos esconder mesmo.
Esse mesmo algoritmo não pega usuários com fotos de armas, de p1r0ca pra fora, oferecendo dinheiro a mulheres em troca de sexo, com descrições agressivas, enganosas e até perigosas. Também não identifica estupradores, agressores e afins. E também não verifica o rosto de pessoas pretas.
MERMÃO


Então, eu paguei, por muito tempo essa assinatura. Inclusive, estava pagando ainda no momento em que fui banida. Como já contei em vários textos meus, a dinâmica do aplicativo sempre me pareceu mais prática e se dependesse do algoritmo eu sequer existiria em rede alguma, então o Tinder passou a fazer parte da minha vida como o melhor instrumento para conhecer pessoas e transar SIM.
Primeiro porque eu nunca fui o tipo de mulher que é abordada em público, numa night. Assim como quase nunca fui a mulher que beijam em público, e só coloco esse “quase” porque já me beijaram em público sim, na porta de motel ou quando todo mundo já tinha ido embora. Isso foi pra mim uma grande questão na adolescência e no início da minha vida adulta, porque como era tudo que eu tinha, eu achava que era tudo que merecia. Eu achava que era sobre “respeitar o jeito das pessoas”, mas sempre achei engraçado como todas as outras pessoas não precisavam fazer assim tanto esforço pra respeitar o jeito das pessoas que estavam com elas, porque elas sempre recebiam demonstrações de afeto em público. Mesmo assim, eu não questionava e aceitava essas condições porque assim, pelo menos, eu me sentia mais amada e aceita. Hoje eu não tenho o menor saco de aguentar essa primeira abordagem ao vivo, e realmente prefiro os aplicativos. E ser abordada ou não na night passou a ser uma questão irrelevante na minha vida.


Então, uma interface com foto e chat, era mesmo muito prático para mim, ainda mais depois que vim morar em outro estado. O estímulo é visual e muitas vezes enganoso, mas no chat, você consegue meio que fazer um filtro só pela abordagem da pessoa ou da reação inicial delas às suas fotos. Eu sempre fui um grande pedação de carne ali, já que a maioria das minhas fotos era de biquíni ou seminua. Era proposital, vindo desta artivista do corpo que vos escreve, a fim de tentar identificar o que as pessoas viam por trás do meu corpo. E elas não viam quase nada, posso contar nos dedos as pessoas que realmente quiseram me conhecer e não só me comer. A real é que o tinder inteiro queria me comer, mas saber quem eu era e me conhecer eram pouquíssimos. E eu que quis tanto chegar nesse lugar de “todo mundo quer me comer” quando não tinha autoestima, e agora que cheguei percebo o quão solitário e raso é esse lugar. Tenho inclusive todo tipo de história de date do tinder que vocês puderem imaginar. Até estupro. De todas as pessoas que conheci no tinder, que foram muitas mesmo, só uma permanece na minha vida até hoje.


Parece triste e é, mas é só a realidade diária de corpos não padrão, dentro e fora de aplicativos. Invisibilizados, não dignos de afeto ou fetichizados, hipersexualizados e reduzidos a objetos de prazer sexual do outro.


Eu achei que ia ficar chateada com o banimento, mas agora confesso que estou vendo até como um livramento. Talvez ali realmente não seja o meu lugar e eu é que não deveria ter permanecido tanto tempo.

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