É só denunciar! Só que não.

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Felipe Carneiro

Me dá um ódio tão grande quando eu ouço essa frase. Não sei se vocês já tiveram a infeliz experiência de entrar com uma denúncia no âmbito do assédio, estupro ou agressão, mas eu já tive essa experiência, numa esfera bem menor, que foi a de denunciar um assédio sexual por parte de um funcionário terceirizado de uma das faculdades mais caras do Rio de Janeiro. E desisti, depois de uma semana sendo enrolada, buscando imagens a que eu nunca tinha acesso do assediador em câmeras e me esforçando para ser levada a sério. Tendo sido também assediada quando fui pedir ajuda. Não tive psicológico para levar isso à frente.

As outras denúncias que eu poderia ter feito foram os anos de abuso psicológico vividos em um casamento abusivo (eu, com histórico de problemas de saúde mental, nessa muito nova esfera da violência psicológica no sistema judiciário) e um estupro ocorrido em minha casa num encontro com um homem que conheci num aplicativo (eu, que trabalho com nudez e quero sempre ter a ousadia de ser livre sexualmente). Quem é que tem suporte e psicológico para isso, nesse sistema que faz questão de colocar empecilhos o tempo inteiro aos nossos direitos mais básicos? Eu não tenho.
OU SEJA,


Imagina quem sofreu um estupro ou violência maior, numa situação de detenção numa delegacia, como no caso da mulher que foi estuprada por um policial, em Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, dentro da delegacia, dentro de uma sala de atendimento a vítimas de violência de gênero? Pior ironia impossível. O que que a gente pode dizer pra essa mulher? Pra ela acreditar que a justiça será feita numa ocasião que não deveria, primeiramente, sequer ter acontecido? Pra ela acreditar no sistema e que tudo dará certo?
Cara. Impossível.


Conforme reportagem do G1, a vítima não sai mais de casa, não consegue comer e vive agora à base de remédios. Nenhum apoio psicológico lhe foi oferecido. A denúncia foi feita a uma delegada, pelos detentos que se encontravam na delegacia, após ouvir a vítima chorando e relatando os casos de abuso. Elbesom de Oliveira, investigador da Polícia Civil, foi denunciado e preso em Campo Grande (MS), e responderá pelos crimes de estupro, importunação sexual e violência psicológica contra a vítima.
Aí quando a gente fala que vivemos num país e numa cultura misógina, que não só nos mata aos pouquinhos como permite, através da falta de estrutura e da fundamentação da cultura do estupro em todas as esferas, que nos matem todos os dias, vocês dizem que estamos exagerando.


Eu não tenho nada de animador a dizer sobre o assunto. Não vejo nenhuma perspectiva de justiça ou de resolução desta questão. Só sei que precisamos parar de julgar vítimas que não denunciam ou que desistem de suas denúncias, porque por mais que hoje já haja diversos programas de combate à violência de gênero, vejo muito pouco avanço no que diz respeito ao acolhimento dessas vítimas. E isso vai desde você que ouve, aos risos ou em silêncio, seu amigo relatar na mesa de bar como estuprou uma mulher bêbada numa festa, até você advogado que acha que pode descreditar uma vítima de estupro expondo e julgando o estilo de vida desta vítima em um julgamento, como aconteceu a Mariana Ferrer.
A gente não tem pra onde correr não.


Ou faz curso de defesa pessoal, ou senta e chora mesmo, e sobrevive só de sacanagem, só porque é o que eles não esperam da gente, sem nenhum apoio, sem que acreditem na gente, mesmo que tenhamos repetido e contado a plenos pulmões tudo que nos aconteceu.
Força para todas nós.

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