O peso de ser a primeira

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Zélia Amador de Deus. Grave esse nome. Artista, educadora e militante. Uma das principais referências na luta antirracista brasileira e que recebeu o prêmio de Direitos Humanos da Brazil Foudation.

Nasceu na Ilha de Marajó, tornou-se a primeira reitora negra de uma universidade brasileira. A primeira. Fico imaginando o peso que é carregar esse fardo de ser a primeira a fazer alguma coisa. Na verdade, não preciso imaginar, porque sei muito bem como é.

Zélia, eu e milhares de pessoas pretas no Brasil sabemos muito bem o que é isso. Em 2020, o site Quero Bolsa realizou um levantamento a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que constatou que a presença de negros no ensino superior era de 38,15%. Se considerar que a população brasileira é composta por 56% de pessoas pretas e pardas, esse número de universitários negros ainda é baixo.

Quando pessoas pretas conseguem ocupar lugares que foram negados por anos, é uma conquista enorme tanto pessoal quanto coletivamente. No entanto, essa caminhada acaba se tornando algo solitário, pois não encontramos o nosso igual naquele determinado espaço.

A primeira da família a entrar na universidade. Um orgulho para a família. Um peso para mim. As expressões “minha mãe é formada em…”, “meu pai é formado em…” sempre soaram estranho para mim, porque minha mãe “só” tem o ensino médio completo e isso já é uma vitória para a minha família.

Avós que fizeram graduação, imagina! Minha avó nem concluiu o ensino fundamental. Nunca imaginei avós com graduação, porque é uma realidade muito fora da minha. 

E qual a relevância disso? Não é interessante que tenhamos pretos nas universidades? Claro que sim! É de extrema importância que pessoas pretas ocupem os lugares, mas também é importante que não sejamos os únicos. Vale lembrar que a Lei 12.711 de 2012, chamada Lei de Cotas, que prevê a reserva de vagas nas instituições federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio, completa 10 anos neste ano.

As possíveis modificações na referida lei têm gerado preocupações dentro dos movimentos sociais. Ano de eleição (conturbada por assim dizer). Talvez isso acabe trazendo alguns retrocessos dada a atual conjuntura. 

Dessa forma, caso essa revisão ocorra e o saldo seja negativo, pessoas pretas continuarão sendo as primeiras da família a entrarem em uma universidade pública, continuarão sendo os primeiros concursados, os primeiros… Seguiremos com o peso de ser o primeiro.

Fui a primeira, mas não quero ser (e não serei) a última da minha família a entrar em uma universidade pública. Foi um caminho solitário. Ao longo de cinco anos de graduação, tive apenas duas professoras negras (e olha que eu peguei diversas matérias de outros cursos). Infelizmente, ainda somos poucos, mas seguimos na caminhada existindo e resistindo.

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