“Questionário para heterossexuais” em Portugal

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Senta que lá vem história.

Tá rolando em Portugal uma treta porque foram distribuídos numa escola de Terceiro Ciclo (que é o Ensino Médio/2º grau/Colegial, chame como quiser, do Brasil) um questionário para heterossexuais. E isso, obviamente, gerou revolta numa parte da população que resolveu questionar: peraí, isso não é um ato de doutrinação que viola a constituição?

Pois bem. Aqui em Portugal, existe um quadro jornalístico da SIC Notícias, uma das maiores emissoras de jornalismo do país, que é parecido com o Detetive Virtual, dos Fantástico. Só que eles não investigam só coisas do mundo online. Quaisquer “denúncias” ou curiosidades podem virar algo de investigação do Polígrafo SIC. Eis que ontem, assistia ao jornal e esse foi um dos tema do Polígrafo. Eles foram investigar se havia doutrinação na aplicação desse questionário, de que forma aquilo estava sendo abordado e etc.

(Me lembrou o Kit Gay, a cartilha de educação sexual pra crianças, umas coisa que surgiu uns anos atrás, num certo país, com um certo candidato à presidência. Não sei se vocês se lembram…)

Então eu vou te contar o que realmente houve no caso de Portugal. E sente pra ler, porque você vai cair de costas com o quanto isso é lindo.

Começaram a surgir publicações online dizendo que a distribuição e aplicação de tal questionário, com temas sobre sexualidade, era um ato criminoso que viola a Constituição Portuguesa; que os pais devem estar atentos ao conteúdo ensinado aos filhos nas escolas; que isso é doutrinação; que é um ataque às crianças; etc, etc, etc.

O Polígrafo foi investigar e é verdade que a cartilha existe. Mas adivinha: foi completamente tirada de contexto. Distribuída a alunos de 12 a 14 anos, a cartilha tem perguntas como: “O que é que achas que causou a tua heterossexualidade?”; “Quando é que decidiste que era heterossexual?”; “É possível que a heterossexualidade seja apenas uma fase que passe quando cresceres mais um pouco?”; “Por que é que tens de ‘anunciar a todos’ a tua heterossexualidade? Não podes apenas ser quem és sem falares muito sobre isso?”

As perguntas compõe um questionário que integra o PRESSE (Programa Regional de Educação Sexual e Saúde Escolar), que é promovido pela ARS Norte (Administração Regional de Saúde do Norte de Portugal), desde 2008. De acordo com os organizadores do projeto, “têm vindo a ser elaborados materiais pedagógicos seguindo orientações técnicas, também internacionais, com enfoque na evidência científica, como as mais recentes da UNESCO, para a Educação Integral da Sexualidade”.

(Falou em “evidência científica”, os conversador pira, eu sei. Seguindo.)

Ou seja, amigos, não tem doutrinação e nem descumprimento de lei nenhuma. Isso porque, de acordo com a Lei nº60/2009, Artigo 6º do Projeto Educativo de Escola, de Portugal, “a educação sexual é objeto de inclusão obrigatória nos projetos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, nos moldes definidos pelo respectivo conselho geral, ouvidas as associações de estudantes, as associações de pais e os professores”.

Especificamente esse questionário para heterossexuais, passou a fazer parte do PRESSE desde 2014, “ao invés de questionar a orientação sexual, passou a promover uma atitude crítica em relação às representações sociais discriminatórias referentes à homossexualidade”, afirma a ARS Norte. Quando digo que o questionário foi divulgado de maneira descontextualizada, é porque omitiram o objetivo que está muito claro antes das perguntas: “Dar às pessoas heterossexuais a oportunidade de experimentar o tipo de perguntas que por vezes são realizadas a pessoas homossexuais e bissexuais”.

Além disso, depois de responderem esse questionário, os alunos, que são do 7º, 8º e 9º anos, têm outras perguntas para levá-los à reflexão sobre o tema, como estas: “Como é que estas perguntas te fizeram sentir?”; “O que é que achas que podes fazer no futuro, se ouvires perguntas destas a serem novamente realizadas a homossexuais e bissexuais?”. Então pode até parecer “doutrinação”, mas é uma coisa mais importante que isso; se chama conscientização. Se chama empatia. É sobre se colocar no lugar do outro. É sobre não fazer aos outros aquilo que não quer que façam contigo.

Tem noção de quanta dor e sofrimento é evitada com conscientização? Tem noção de quantos LGBTQIA+ deixariam se morrer se, no Brasil, houvesse um mínimo de orientação sobre o tema? Se a gente aprendesse a respeitar a outra pessoa como ela é? Você vai dizer que eu tô passando pano pra tuga, que de que adianta isso e baterem em crianças menores nas escolas, mas você não pode discordar disso, amigo: em termos de conscientização sobre aceitação à sexualidade, eles tão muito na nossa frente.

Aqui em Portugal, ninguém morre por conta de orientação sexual ou gênero (exceto mulheres, vítimas de feminicídio, mas isso é pra outro papo; estou falando aqui de transexuais, travestis, gays, lésbicas, bissexuais, etc). Aliás, ninguém tá nem aí pra o que você faz ou deixa de fazer na sua vida sexual, pra como você se veste ou usa o cabelo ou quantas tatuagens tem. FODA-SE. E te digo mais: essa promoção da educação sexual faz com que eu perceba no meu filho e entre os amigos dele, a forma como eles lidam com isso como deveria ser sempre: COM NATURALIDADE. A L namorada a N, depois de ter namorado o V. E TUDO BEM! Saca?

Sonho com o dia em que o Brasil vai ser assim e a gente vai deixar de ser o país que mais mata trans no mundo. Sonho!

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