Transcrevendo vivências: Solidão.

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Transcrevendo vivências: Solidão.

Eu lembro do período de quando me entendi como uma pessoa trans. Eu me encontrava extremamente desorientada, porque seria mais um fardo nas minhas costas: além de ser preta, pobre, bissexual, agora seria outro babado. E mais: a minha expectativa de vida cairia de 70 pra 30 anos. 

Vivi em negação por quase um ano. Não me aceitava e, muito menos, me respeitava, pois me colocava em situações horríveis pra ser mais confortável para o outro. Afinal, não seria tão difícil pra mim depois de ter tido uma vida inteira de atuação [só enganei quem não queria ver] ser uma pessoa cisgênero, hétero e moldada pelo cristianismo. Assim “era mais fácil”… Mas só fui me dar conta das violências que me atingiram depois de “velha barbuda”.

Não se sentir amada ou digna de amor e afeto é foda pra caralho.

Todas as pessoas passam a vida buscando o amor e validação social para serem quem são; mas depois que comecei a me olhar com carinho e aprender a me respeitar antes de colocar o outro em primeiro plano, a minha vida desmoronou, porque foi quando me dei conta de que existia mais do outro em mim do que a minha própria essência.

“Falta de Deus”; “Falta de uma surra bem dada”; “Vai pro inferno”; “Falta de uma figura masculina”; “Sempre será XY”; “Precisa de uma cura e libertação”. Isso é só uma parte de tudo que vi e ouvi. Até à cura gay já fui submetida por uma terapeuta – em um dos momentos depressivos que enfrentei. Então, o que mais me falta? O que mais eu preciso? 

Viver em uma sociedade racista e cis-heteronormativa, é nascer sendo apontada dos seus defeitos – ou melhor, daquilo que eles presumem que são “falhas”.

O que me falta e o que preciso não está em mim. Partem de mim, mas não sou eu. Sou uma só e somos muitas. Sigo lutando, existindo, ocupando e resistindo daqui, também em honra as minhas ancestrais de luta, para assim passar o legado para aquelas que virão.

Por mais que hoje eu saiba quem eu sou, há um longo caminho, muito árduo e estreito onde sigo me esquivando para, além de sobreviver, ter a oportunidade de existir de forma digna e completa. 

Hoje, tenho certeza que eu mereço ser amada e de que eu sou digna de afeto. Mas por não ter tido contato com ele ao longo da minha vida. Encontrei em mim a minha própria força e o meu próprio sustento; aquilo que me foi usado de ataque, hoje tomo como força para perseverar. E foi no seio das minhas, que conheci a ternura.

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