Lei: máquina de encarcerar preto e pobre

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Ontem vi uma notícia que não me surpreendeu, mas que me motivou a escrever esse texto de hoje. A chamada da matéria é a seguinte: “Defensorias vêem aumentar casos de furto de comida na pandemia” (Fonte: BBC).

E aí eu me pergunto: por que esse país ainda tá de pé, e as pessoas sorrindo na Faria Lima com seu bullet proof coffee na mão, e sapatênis intacto, sabe?

Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, em 2020 cerca de 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no Brasil. Em 2018, antes das eleições, eram 10,3 milhões. Em dois anos, a alta foi de 84,4%.

Tá pouco, querido leitor?

Tem mais: esses dados mostram quem não dispõe de NADA para comer, zero…se a gente levar em conta as pessoas que não fazem as 3 refeições por dia, são QUARENTA E UM POR CENTO DE BRASILEIROS EM SITUAÇÃO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR (dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE). Na Venezuela são 33%; a gente não só não virou Venezuela como passou o país em miserabilidade.

Um recorte importante que deve ser feito, o de raça: dos 41% da população sem acesso a alimentação BÁSICA, 28% são integrantes de famílias chefiadas por negros e por pardos, em sua maioria, mulheres.

Brasil, a máquina de matar e encarcerar preto.

Não tem comida, não tem emprego, famílias inteiras na rua e com fome: a solução é furtar PARA PODER COMER. Mas se furta, a lei chega, pesada, cortando tudo.

Os defensores públicos brasileiros notaram um aumento exponencial de 2018 para cá dos chamados furtos famélicos, aqueles em que se furta para poder comer, e o perfil, sem novidades, é o de pessoas em vulnerabilidade social, desempregadas, pretas, mulheres chefes de família, moradoras da periferia ou em situação de rua.

O Estado vem destruindo a dignidade das pessoas, tirando-lhes emprego e comida; achando pouco, coloca dentro de uma cela quem, de alguma maneira, tenta sobreviver. É a lei a serviço da elite deste país. Já dizia Maquiavel: aos amigos, os favores, aos inimigos, a lei. O Estado é inimigo do povo.

Agora corta pro Planalto, a Casa de Vidro, onde um Chefe do Executivo, que TABELOU a LEI DE RESPONSABILIDADE, e pontuou bem no Código Penal, segue feliz, gastando milhões no cartão corporativo, em férias eternas, e almoçando um gostoso bife de Kobe, aquele em que o gado é criando sem stress, escutando música clássica pro corte sair macio, gostosão, apetitoso, tudo isso pela bagatela de uns mil reais o quilo. “Se não têm pão, que comam brioches”.

E o país continua na santa calma.

Me revolta, de verdade, saber que normalizamos a barbárie, a miséria, e assistimos passivamente o que Carolina Maria de Jesus, em 58, chamou de “escravatura atual”: ela, a fome.

Desde quando aceitamos que 40% desse país passe fome sem que façamos nada?

Eu costumo sempre bater incessantemente na tecla da insegurança alimentar, porque me é muito caro, fui criada por quem já passou fome, e não desejaria que outras pessoas passassem o que as que me criaram passaram; a gente é pra brilhar, não pra morrer de fome, já dizia Caetano.

Tem uns dias que viver no Brasil dói muito, corta, navalha a alma; hoje é um desses dias em que a gente chora, sofre, mas tenta organizar o ódio de maneira que esse cenário mude.

Você, que tá me lendo, organize seu ódio. A gente tem que sair dessa. Nem que seja na força do ódio.

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