Meti essa da paternidade

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Todo mundo, ou quase todo mundo que me lê, sabe que eu não tive pai.

Bom, tive, mas fugiu.

Já nem era pai antes. Era um sujeito que não queria a família que tinha. Violento, não gostava da vida que estava diante dele. Uma mãe, com duas meninas, e um filho dele. 

Ele já tinha abandonado outros filhos. Uma irmã minha morreu espancada na cabeça, debaixo de um viaduto, entregue ao vício do crack, sozinha. Por vezes, ela foi na casa que eu morava, procurar pelo pai dela. Olhava pra mim, uma figura destruída, cabelos mal cuidados, estava em situação de rua. Envolvida com o pequeno tráfico, vendia o corpo pra sustentar o vício do dia. Mas ela sorria pra mim. E me dava abraço.

Minhas irmãs por parte de mãe nunca me deram um abraço como o dela. Minhas irmãs por parte de mãe não me procuram. Não sabem de mim, não falam comigo. São bolsonaristas, mães de PM, orgulhosas da sua ignorância e homofobia. 

A irmã que sorria pra mim, morreu sozinha na rua.
Abandonada pelo homem que estava lá dentro de casa, a quem chamavam de meu pai. E que mandava avisar, no portão, que ele não se encontrava. 

E mandavam eu dizer. 

Ela sabia que era mentira. Porque ela via na minha cara. E eu ficava com ela. 

Várias vezes ela procurou o pai. Até que um dia, não veio mais.

Na periferia, milhares de casos de filhos sem pai. Sem referência de pai. E muitos, porque tiveram seus pais presos ou mortos. A paternidade negra é continuamente interrompida pelo racismo. 

Levei anos pra querer ser pai.

Pedro Benevides, o ator, é uma referência de pai pra mim.

Mas um sujeito que me fez pensar na maternidade, nem pai é, mas fala muito do pai.
O ícone do momento: Casimiro.

Casimiro, todos sabem, é o cara que faz videos.

Se não sabe, você não tá ainda em 2022.
Ganhou prêmio e os caralho, tá fazendo live juntando Amazon, Netflix, Globo, Assembléia de Deus e Cantinho da Vovó de Ogum Rompe-Mato. 

Casimiro só falta fazer live patrocinado por judeu ortodoxo e palestino do Ramas. 

Esse cara.
Esse cara fala do pai dele, quase sempre. Eu acho isso bonito, porque o cara lembra que tem pai, mais que isso, o pai dele deu a ele lembranças que eu acho muito bonitas. Que o pai fazia comida na lanchonete, que o pai levava ele nas festas, nas viagens, que o pai, essa figura, era PRESENTE na vida dele. 

Eu vejo Casimiro comentando comida. Comida de rua, pizza, cachorro-quente, tudo. E quando ele fala de salgados, ele sempre fala do pai. Que o pai era taxista e depois dono de uma lanchonete.

Outro dia desses eu decidi fazer uma receita de JOELHO que ele comentou, e isso era um sábado a tarde. E eu me vi, pela primeira vez, sendo pai, e fazendo joelho pros meus filhos. Num sábado a tarde, presente, em casa, cuidando das minhas crianças.

Casimiro, e muita gente, me ajudou a encontrar o fio pra paternidade. Eu hoje só quero isso: ser pai, fazer comida numa tarde pras criança, e viver pra elas.
A vida não é mais sobre mim.  

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