A mochila. O cotidiano ferido, e o cafezinho do governador

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Gabriel foi trocar uma mochila.

Ele era jovem. Gostava de música, cinema, era um menino tranquilo.

Comprou uma mochila, sei lá, não serviu, ligou pra loja e combinou de trocar por outra.

Então Gabriel pegou um ônibus.

O céu estava fechando em Petrópolis.

A cena das pessoas sobre dois ônibus ao lado do rio Quitandinha, ônibus que estavam afundando na rua tomada pela enxurrada que chegou a quase dois metros, foi uma das cenas mais duras que vi.

Porque a morte, algo com o que eu lido há anos, nas periferias e favelas, é dura. Mas é uma morte diferente. Ela é fruto da ignorância humana, que leva a morte até a porta do morador. A polícia leva essa morte, de propósito.

Em Petrópolis não.

A morte em Petrópolis pode ser prevista. Evitada. Porque a chuva vem. A chuva não quer matar ninguém. Mas o homem não aprende.

Em cima daqueles ônibus, várias pessoas. O motorista, com uma corda, ia salvando passageiros. As águas arrastavam tudo.

Que cena triste e terrível.

Ali, na câmera do helicóptero, foi a única vez que vi Gabriel.

Ele estava num ônibus, conseguiu nadar pro outro. O primeiro afundou. No segundo, ele se segurou. Mas este também afundou.

A última vez que vi Gabriel, ele lutava pra se segurar em algo.

Na cabeça dele, o que passava?

Talvez que ia se salvar. Que aquilo ia passar. Que ele ia se segurar, e viver. Ver sua mãe de novo. Poxa vida. Era só uma mochila. Todo ano chove, ninguém faz nada.

Mas as mãos de Gabriel foram se soltando do ônibus. E as forças foram diminuindo. E Gabriel se soltou. E as águas, aos poucos, levaram Gabriel. E depois, nenhum de nós mais viu Gabriel.

Essa morte me machuca muito.

Eu lamento muito, Gabriel.

Você não merecia isso, menino.

Você tinha uma vida.

Ia ter uma mochila nova. Ia estudar. Se formar.

Quem sabe ter uma banda. Quem sabe ser professor.

Quem sabe namorar. Casar.

Me desculpa, Gabriel.

Enquanto Gabriel tinha seus últimos pensamentos de esperança em meio às águas bravas,

Cláudio Castro,

o governador-cantor carismático católico,

tomava cafezinho quentinho no ar condicionado no Palácio.

Tranquilo.

Cláudio nunca precisou nadar pra salvar a própria vida.

Cláudio tem 700 milhões em caixa pra evitar a morte de Gabriel, mas decidiu só gastar 100. Por que Cláudio quer “fazer caixa” pro governo.

Cláudio é um sujeito preocupadinho com as contas.

Servo do Deus Dinheiro.

Guardou o dinheiro, e não evitou a morte de Gabriel.

Porque o dinheiro vale mais que Gabriel.

O governo do Estado é o único responsável pela morte de Gabriel. E o governador precisa responder por isso.

Eu oro pela mãe de Gabriel.

Mais uma mãe, levando o filho pra sepultura, no país onde as mães choram, mas governadores não.

Governadores deveriam chorar pra que mães nunca sofressem.

Deveriam proteger filhos e mães. Mas infelizmente, governadores, quando eles mesmos não mandam a polícia matar,  deixam que a chuva mate.

Mas tem Deus no céu, né Cláudio.

E dessa Justiça, malandro,

tu não vai escapar.

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