Rinha de preto e saúde mental: o hobby da globo

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Maria foi expulsa do BBB por descumprir uma regra do programa, após a agressão sofrida por Natália, e proferida por Maria no Jogo da Discórdia da última segunda-feira. Não é a primeira vez que isso acontece. Vimos acontecer a Karol Conká e a Lucas na última edição do programa. Num jogo em que o desequilíbrio psicológico reina, numa sociedade que não prioriza, muito menos dá importância à saúde mental de sua população em geral, e menos ainda da população preta e periférica, o que ainda surpreende é a surpresa das pessoas com a monetização dessa prática. Maria merecia ser punida de acordo com as regras do programa, assim como devidamente encaminhada a um tratamento psicológico e psiquiátrico. Acho inclusive, que o acompanhamento psicológico devia ser tão obrigatório lá dentro, como a ida ao confessionário.
Bom, não sou uma mulher negra, mas sou uma mulher gorda e posso dizer com alguma propriedade que entendo bastante de ser louca, assim como de ser vista e colocada como tal. Eu já tive fases na minha vida em que tentava liberar a dor e a raiva que estavam dentro de mim dando socos na parede e quebrando coisas; já me cortei e já rompi os ligamentos do tornozelo por isso. O que me salvou foi ter tido o privilégio de ter tido uma mãe que teve condições de entender que eu estava passando por problemas de saúde mental e não só de pagar terapia para mim, como me incentivar a isso. Hoje já são vinte anos ininterruptos de terapia e posso afirmar com toda a convicção que só estou aqui viva e escrevendo esse texto por causa disso. E olha que eu não vivi metade do que Maria e Natália viveram em suas vidas. Então, por isso, não tenho como não falar também de saúde mental aqui. É nítido que esse jogo desestabiliza seus participantes psicologicamente. E quem não entra já minimamente preparado para isso surta e vira personagem, ou seja, audiência.

Mas o que a expulsão de Maria significa para a globo?

Mais publicidade e mais dinheiro: enquanto uma participante é rechaçada e ameaçada aqui fora, a outra tenta sobreviver lá dentro em meio aos sentimentos de culpa, exclusão e solidão, inclusive já muito bem conhecidos dela por ser mulher negra periférica e fora do padrão vivendo no Brasil. A globo enche o rabo de dinheiro, já deve ter começado a escrever o roteiro do próximo documentário da globoplay e contabiliza agora seus acessos e visibilidade na casa dos milhões, bilhões, vai saber. Mais visibilidade, mais patrocínio, mais longevidade do programa. Sucesso! A que preço? Jogando que corpos aos lobos?
A carne mais barata do mercado é a carne negra, já dizia Elza Soares.
Por que será que continuamos a assistir isso sem fazer nada? Será nossa necessidade de alienação por sermos brasileiros e termos um presidente como o nosso no poder? Será por vermos todos os dias pessoas negras sendo executadas, vivendo com medo – seja de tiroteio ou de enquadro – presas “por engano”, mortas “por engano”, “confundidas” com ladrões, espancadas, rechaçadas, excluídas, exploradas, cada vez com menos oportunidade? Ou será que nos assemelhamos em muito ao racismo declarado ou não, consciente ou não dos diversos personagens que passam pela casa? Chamo de personagens porque aquelas pessoas estão sendo moldadas de acordo com a audiência que proporcionam à emissora, através de uma edição de diversos acontecimentos e cenas filmadas.
Mas quem somos nós nesse mercado e nessa sociedade que influencia a rivalidade entre mulheres, a rinha de pessoas pretas e com problemas de saúde mental, nesse entretenimento em que a diversão é medida e avaliada de acordo com a violência que transmite em discussões e brigas em rede nacional, rumo ao prêmio de um milhão e meio de reais nesse país em que ao menos 20 milhões de brasileiros passam fome?
Tem gente comemorando que Maria saiu, e os haters já estão nas suas devidas posições prontos para dar a largada e acabar com mais duas vidas negras, como é de costume nesse país.
Feliz por Maria sair do BBB? Não consigo estar. Feliz mesmo vai ser o dia em que o racismo deixar de existir e a população negra e periférica passar a ter as mesmas oportunidades que todas as outras pessoas, e que puderem reaver suas posições na grande reparação da dívida histórica que temos com essa população. Sonhar não custa nada, não é mesmo?
Mas pra chegar até lá, a gente tem que começar daqui. E não é dando ibope pra globo e fazendo exatamente o que eles querem que vamos conseguir. Chega de odiar pessoas negras lá dentro e aqui fora, elas já têm ódio demais para lidar aqui, na vida, todos os dias. Que Natália se recupere logo e consiga continuar nesse jogo de merda, e que Maria possa se tratar agora e melhorar logo também. Nenhuma das duas merece ser odiada.
Agora, quem tá feliz mesmo e adorando a destruição de duas mulheres negras é o boninho, que mais uma vez, tá enchendo o bolso de dinheiro e rindo da situação lá na mansão dele em algum lugar rico em que a maioria das pessoas só consegue chegar se participar de um programa desses.
É mesmo difícil manter a saúde mental num país desses.
Pessoas: façam terapia.
Psicólogos: façam questão de atender pessoas de baixa renda e ajudem a espalhar o que é saúde mental e porque é importante cuidar dela. p.s. 150 reais por sessão não é valor social.

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