Sobre ser mulher e envelhecer, e a novela das nove

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Eu juro que quando comecei a escrever este texto, pensei que falaria apenas dessa cena, que nem foi a primeira cena de masturbação feminina da tevê brasileira, mas que também tem lá sua importância. Porque afinal, a masturbação feminina e o prazer da mulher continua sendo um tabu. Sim, é importante que falemos disso na novela das nove. Porque a família brasileira não se incomoda com o Cauã Reymond comendo a Aline Moraes no chão da sala de estar, mas se incomoda com uma cena da Andrea Beltrão se masturbando na cama, mesmo que de forma tão sutil e romantizada.

Porém, para entender o significado disso, fui tentar entender também quem era essa mulher, Rebecca, personagem da atriz Andrea Beltrão, e o porquê de ela ter se masturbado naquele momento. E assistindo as cenas da personagem na trama, percebi que essa que não era só uma cena sobre masturbação. E que o buraco era muito mais embaixo.

Mas quem é Rebecca? Rebecca é uma ex-modelo que abdicou de tudo em prol de sua carreira, encurtada pelo meteórico sucesso do meio (bastante cruel com as mulheres, que as condena e encerra suas carreiras pela idade) e é casada com Túlio, personagem de Daniel Dantas. Juntos têm uma filha, Cecília, fruto de um longo casamento. Rebecca, como muitas mulheres, é uma mulher na faixa dos 45/50 anos que tem problemas de autoestima, depende da aprovação externa para se sentir bem, e acaba dependendo também emocionalmente do marido. Adúltero, por sinal. Túlio é o estereótipo do homem branco hétero, que vive de amantes, arranja mulheres em todos os lugares que vai e é bem capaz de manter mais de uma família em segredo. Mais pra frente na trama, Rebecca também se envolve com uma pessoa fora do casamento, o que é obviamente entendido como mais uma forma de validação. Rebecca se envolve com um amigo da filha, um homem mais novo, que a admira e não comete etarismo com ela. Que lembra a ela de seus direitos, como o de viver o que quiser e o de gozar. 

Há o tempo todo no ar a discussão sobre o desejo dentro do casamento. Há uma cobrança do desejo de ambas das partes. Como se este fosse um dever, uma obrigação contida no exercício do matrimônio – exatamente como nos é ensinado e incrustado tradicionalmente. 

Na cena em questão, Rebecca se masturba enquanto o marido toma banho, depois de recusar sexo com ele. Os dois parecem estar em fusos diferentes de desejo, e ela frisa, na maior parte do tempo, que o desejo dela com ele deve vir através de atitudes, e nem sempre voltado somente para a automatização desse desejo sexual. Ele, como a esmagadora parcela de homens, acredita que por ser casado, não é necessário tanto estímulo, sequer afeto para chegar ao sexo. Não é preciso “perder tempo” com preliminares, ou qualquer tipo de tentativa de aproximação para isso. É algo mais automático, um dever a ser cumprido, um osso do ofício contido no matrimônio. E Túlio usa o desinteresse da mulher quase como desculpa para “manter-se homem” e, portanto, poder traí-la a torto e a direito.

Rebecca é retratada como uma mulher que, sendo quinze anos mais jovem que o marido, é mais aberta e sente-se mais jovem do que é. Como se não devesse fazer isso. Como se estivesse errada. Seu marido, mesmo mais velho, tem essa permissão subentendida que a sociedade dá aos homens de circularem e fazerem o que quiserem, principalmente com a própria sexualidade. Um homem nunca é velho demais pra nada, muito menos pra sentir prazer. Um homem pode ter suas “necessidades”. Uma mulher não. 

O pano de fundo nessa história, que eu não havia notado antes, é o envelhecimento das mulheres. Esse tema paira por todas as personagens mulheres da novela. E Rebecca parece aguentar a maioria das coisas em seu casamento por medo de “envelhecer e morrer sozinha” como a grande maioria de nós. 

Mas qual será mesmo o problema em envelhecer? Por que não nos é permitido envelhecer? Acho que é porque quando a gente envelhece, nos tornamos inúteis para eles. Porque há essa ideia do envelhecimento como esvaecimento da vida, como se fôssemos nos tornando cada vez mais inutilizáveis ao longo do tempo. Quanto mais velhas nos tornamos, menos podem nos usar, nos manipular, nos objetificar. Cês tão entendendo? Além, de óbvio, do conceito de envelhecimento e beleza, como se o corpo da mulher tivesse obrigação de permanecer intacto, sem sofrer nenhuma ação do tempo, esse corpo-objeto que tanto nos exigem, a que aos homens quase nunca é exigido. 

Quantos cremes anti-idade são vendidos para homens? 

Seja no prazer ou no envelhecer, somos sempre oprimidas e culpadas de alguma maneira. É quase como se não devêssemos estar aqui, afinal, o mundo é dos homens, sempre foi e continua sendo.

Sigamos tentando. E é por isso que é importante falar disso tudo na novela das nove.

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